A Bela Adormecida e os 13 Domingos


Maria Avelina Fuhro Gastal

Mal nascera e a bruxa, por inveja, lançou sobre Bela Adormecida um feitiço: ao ferir o dedo em uma roca de fiar, dormiria por 100 anos. Três fadas presentes no castelo não tinham poderes para destruir a maldição da bruxa, então, juntaram esforços e aliviaram o feitiço pela possibilidade de despertar antes, desde que recebesse um beijo de amor.

Há dois séculos essa história vem sendo contada. Adaptações foram feitas, versões amenizadas, mas o essencial permanece, o feitiço e o antídoto.

Toda história pode ser recontada a partir do momento que vivemos. Assim, apresento para vocês: A Bela Adormecida e os 13 Domingos.

Era uma vez um reino que afundou nas trevas. Embora ainda houvesse sol, os pássaros ainda cantassem, as Escolas ainda desfilassem na Avenida e a Seleção conquistasse a Jules Rimet, calabouços escondiam horrores e silenciavam vozes.

Os dragões não mais cuspiam fogo. Vestiam-se de verde oliva e, na hora do terror, ocultavam os uniformes para dificultar a identificação. No lugar do fogo, algemas, choques elétricos, pau de arara, palmatória, cadeira de dragão, afogamento, massacre psicológico.

Por 21 anos o reino viveu sob ameaça nominada como milagre. Assavam um bolo que jamais foi dividido, pagamos os custos dos ingredientes. Antes de se darem por vencidos, os dragões verde oliva garantiram perdão aos que protestaram, aos que discordaram, sem reconhecer os que haviam morrido em suas mãos, perdoaram, assim, a si mesmos pela tortura e pelos assassinatos.

Depois de tão longo período, o povo reagia entre eufórico e anestesiado. Foram necessários três anos para que ela nascesse, em outubro de 1988. Batizada de Cidadã, trazia esperança. Aqueles que não concordavam com ela, fingiram-se de mortos. Não era o momento de mostrar suas garras.

Embora todos se beneficiassem da sensação de liberdade até então desconhecida, o costume de ser súdito permanecia. Muitos esperavam do rei ou rainha do momento as respostas para todos os problemas. E eles não eram poucos. A liberdade não garantira justiça social.

No lugar dos dragões, Centrão. No lugar da tortura, corrupção. A confiança do povo foi sendo minada, bombardeada em horário nobre em rede nacional. Aos poucos, os descontentes com a Cidadã perceberam que poderiam sair da toca. Receberam o apoio de grande parte da população. Enganaram se dizendo paladinos, só não explicitaram a quem defendiam.

Os súditos escolheram as trevas. Muitos negavam que ela houvesse existido, outros a defendiam sem pudor. E, assim, os anos foram se passando. Quatro anos que pareciam eternidade.

Primavera não se conformava, doía-lhe não mais existir motivos para se orgulhar do reino em que vivia. Ficava ainda mais aflita ao ver Fauna e Flora sem forças, lutando para sobreviver, enquanto ardiam em meio a chamas ou enquanto lutavam por um pouco de ar que restasse em meio a tanto desmatamento.

Sozinha sua força não geraria antídoto eficiente nem rápido. Os 100 anos de sigilo sobre os atos do governo colocavam em sono profundo aqueles que já eram sonolentos por cansaço ou acomodação.

Seu feitiço precisaria do esforço de todos. Decidiu por um processo de despertar em 13 Domingos, para cada um deles, uma imagem ou frase que sacudisse, memo que de leve, os adormecidos, os preguiçosos, os descompromissados.

Elaborou uma tabela com uma frase para cada um dos Domingos:
10/07 – Rachadinha é corrupção.
17/07 - “E daí? Não sou coveiro.”
24/07 – “Questão ambiental só importa aos veganos, que só comem vegetais.”
31/07 –De volta ao Mapa da fome, 19 milhões de pessoas passando fome.
07/08 – Manifesto indígena denunciando projeto político de genocídio, etnocídio e ecocídio.
14/08 – Nenhuma mulher merece ser estuprada.
21/08 – “Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”
28/08 - Ameaças à democracia são crimes.
04/09 – “..., se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.”.
11/09 – Milícia é estado paralelo que mata.
18/09 – “O erro da Ditadura foi torturar e não matar.”
25/09 – “Sou Capitão do Exército, minha missão é matar.”
02/10 – Acorde, se espreguice, inspire, feche os olhos, conte até 13 e relembre o caminho que trouxe nosso reino até aqui, expire, levante-se. Lembre que já é primavera, hora de darmos chance à vida. Deixe na urna sua parte do antídoto.

Primavera sabe que não seremos felizes para sempre, mas não nos quer infelizes por mais quatro anos. Teme que Flora e Fauna não resistam por mais esse período. Sabe que sem elas a fome aumentará. O reino não terá súditos, apenas miseráveis e famintos que servirão de alimento à ganância de alguns.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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