Lacunas

Maria Avelina Fuhro Gastal

Nossa história é feita de fatos, memórias e lacunas.

Os fatos delimitamos por datas: aniversários, formaturas, casamentos, nascimento dos filhos, dos netos. Para os que não lembramos da data específica, criamos categorias, quase universais, primeiro amor, primeiro beijo, primeira transa, primeira viagem, primeira viagem sozinha, primeira casa só sua e outros tantos primeiros quantos nos permitirmos viver.

Colorimos os fatos com memórias, damos as cores da emoção que vivemos. Escolhemos conforme nossa percepção sem respeito à realidade. Memórias não são fatos, são a construção que fizemos a partir deles.

Não há memórias sem lacunas. Elas se dão por desconhecimento, por esquecimento, por negação. Algumas preenchemos com mágoas e traumas, outras com fantasias e desejos.

Do que lembramos, muito pode ser ficção, embora acreditemos como verdade. Lemos a nossa história pelas lentes que usamos e pelas vivências que tivemos. De real, talvez pouco, mas, para nós, verdadeiro.

O olhar do outro reconta nossa história. Sem ele, construímos a realidade que atende aos nossos anseios ou alimenta nossos temores. O olhar do outro desestabiliza verdades.

São tantos outros. Perdemos tantos pelo caminho. Afastamentos, rompimentos, ausências acabam sendo elementos de construção do que vivemos. A morte interrompe a narrativa. Uma parte de nós morre junto. Morremos muitas vezes ao longo da vida. A cada morte uma parte de nossa história é enterrada, permanecendo as lacunas que jamais poderão ser revisitadas.

Recontar o que vivemos sem nos agarrar a certezas, aceitar as lacunas e não fazer delas âncoras, reconhecer que memórias são versões, admitir possibilidades diversas. Viver com lembranças, mas não de passado. Se dele não temos certeza, por que permitir que ele impeça o nosso presente?

Nossa história é incompleta. Sempre será. As lacunas somam-se ao longo da vida. Para muitas não encontraremos respostas, resta-nos optar por não permitir que elas ocupem a possibilidade de viver o agora.

Deixe um recado para a autora

voltar