Maria Avelina Fuhro Gastal
Há trinta e sete anos assisti ao filme a Escolha de Sofia. Talvez muitos de vocês não tenham visto ou não lembrem do enredo. Sem spoiler, conta a história de uma mãe polaca que na Segunda Guerra Mundial, por pressão de um soldado nazista, tem que escolher qual filho entregará para morrer.
Em 1983 eu tinha apenas o meu filho mais velho. Mas o sofrimento naquela escolha me marcou de forma intensa. Ela tinha que optar entre dois amores que não se tem como diferenciar. Podemos ter afinidade maior com um ou outro filho em uma situação ou outra. Afinidade não é amor. E, para mim, só é possível amar aquilo que tem vida. Todo o resto podemos escolher. Vidas, não.
Há dias vejo vidas sendo descartadas a favor do mercado, da economia, do lucro incessante. Parece que a lógica perversa é: que morram os idosos que não mais produzem e só usufruem da previdência, que morram os moradores de rua para vivermos em uma cidade mais limpa, que morram os pobres e favelados para que possamos investir menos em programas de assistência social, que morram os trabalhadores, afinal o percentual de desempregados é enorme, então temos, por muito tempo, margem de mão de obra disponível para ocupar as vagas dos mortos.
Para não parecer mais desumano do que é, o discurso é o da preocupação com os empregos, com os efeitos do agravamento da recessão. Na realidade, o que querem manter são as condições de vida que eles têm, as viagens constantes, as compras em Miami, Nova York e Paris (mesmo que agora tenham que esperar um pouco para suprir suas necessidades egoístas), os iates, as lanchas, a troca de carro anual, o caviar, o filé mignon. Precisam que trabalhemos, que morramos para que mantenham sua vida miserável.
Sei a gravidade dos efeitos econômicos e sociais desta pandemia. Estou preocupada, assustada e com muito receio do que virá depois. Mas nada justifica tornar o país um matadouro.
Estou na lista dos morríveis. A mãe do dono do Madero também. A diferença é que sei o quanto meus filhos me querem viva. Já a mãe dele deve estar arrependida de ter ensinado o segredo da maionese para o filho. Agora que ele já se fez e posa de bom homem nas propagandas ao lado da mãe, azar dela que está entre os sete mil que devem morrer para que o lucro permaneça.
A escolha já foi feita: morramos nós para que o mercado sobreviva.
Escolher entre vidas e mercado nunca foi ato de amor. É genocídio.
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