Maternidade sem filtros


Maria Avelina Fuhro Gastal

Excetuando quando me atrapalhei, perdi a paciência, titubiei, ameacei, me excedi, enlouqueci e surtei, no geral, acho que tenho sido uma boa mãe. Cheia de dúvidas, atrapalhada, mas presente. Às vezes, demais.

Conhece aquela mãe de bebê recém-nascido, que segura o filho no colo e posa para foto do álbum, maquiada, sem olheiras, com cabelo alinhado, cintura aparente, com ar descansado? Com certeza, não era eu.

O encantamento com o bebê vinha recheado de temores. Vai que se engasgue, que chore sem parar, que eu não saiba cuidar, que não ganhe peso, que chore e eu não escute, que não chore e eu não me dê conta que algo está errado. Sufoco e apreensão.

Passado o susto inicial, persistem as poucas horas de sono, o banho corrido. Tão bonito quando dormem. E como dormem pouco, embora durmam quase o dia todo. Mamada a cada duas ou três horas dão novo significado à percepção da passagem do tempo.

Quando tudo vai se acalmando, o bebê deixa de ser recém-nascido. Novo aprendizado, nova adequação de rotina. Em pouco tempo, tentativa de introdução alimentar, preocupação com objetos pequenos pelo chão, com as quinas, com as tomadas, com as pontas de tapete, com quem vai se ocupar de cuidar daquele serzinho enquanto trabalhamos. Babá, escolinha, avós? Ninguém melhor do que nós. De onde vem aquela vontade de retomar a vida anterior, mesmo sabendo que, não importa qual a opção de cuidados, não ficaremos tranquilas? Conflito que nos acompanha a vida toda. Queremos voltar a ser nós mesmas sem saber como fazê-lo sendo mães.

Mãe é uma só. Mãe é tudo igual. Mentiras. Somos várias em uma só pessoa. Não somos iguais nem a nós mesmas. Cada fase de vida dos filhos, cada filho, não importando quantos são, nos obrigam a buscar uma nova forma de ser mãe. Filhos não são todos iguais, portanto as mães que somos precisam reconhecer as individualidades.

Passamos de centro do mundo dos filhos a acessório para alguns momentos e necessidades, daí a estorvo, até que somos reinseridas na vida deles. O olhar deles sobre nós passa pelo encantamento, segurança, um misto de ódio e raiva, planejando um fuzilamento sumário e, se tudo correr bem, chega ao respeito e parceria. Em alguns momentos os olhares se misturam e nós precisamos descongelar para reagir.

Ser mãe não é uma experiência individual. Ela sempre envolve dois, mãe e filho, e se ramifica na intersecção com todos os filhos, com os pais, avós, tios e todos aqueles que interagem com a dupla principal, que na constância tem apenas a mãe, pois o outro lugar é ocupado alternadamente por todos aqueles que dividem a mesma mãe.

Sou mãe de filhos adultos. Ainda assim, mãe. Ainda assim, me atrapalho algumas vezes. Por sorte, não tenho enlouquecido ou surtado. Eles contribuem muito para que eu me mantenha na linha. Às vezes, me percebo mais sendo cuidada do que cuidando. Faz parte do envelhecimento, embora eu esteja muito longe de precisar de cuidadores. Talvez a atrapalhação deles comigo nesta fase da vida seja maior do que a minha com eles.

Ser mãe tem sido o papel mais longo e permanente da minha vida. A sensação de ter cada um deles no colo, os olhares que trocamos, os carinhos recebidos, a convivência em um espaço que era só nosso, as conversas por horas a fio, os momentos que estamos juntos, as conquistas e avanços deles, as pessoas que se tornaram valem muito mais do que qualquer noite mal dormida, qualquer birra ou teimosia, qualquer conflito que tenhamos tido.

Maternidade de propaganda não tropeça em brinquedos espalhados pelo chão, não trazem o dedo sujo por ter enfiado para conferir a fralda, não tem as roupas manchadas por vômitos ou secreções diversas. Na vida real, ela tem altos e baixos, sorrisos e lágrimas, alegrias e tristezas, não vende nada, mas vale cada segundo. Na soma dos tempos, ganhei muito mais do que perdi, e não troco isso por nada.



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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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