Safados


Maria Avelina Fuhro Gastal

Solo, voz masculina, potente:
“Cabra safado,
Metido a maconheiro”

Coro, vozes diversas, enfáticas:
“CABRA SAFADO,
METIDO A MACONHEIRO”

Solo:
“Te pego de jeito
E bato o dia inteiro”

Coro:
“TE PEGO DE JEITO
E BATO O DIA INTEIRO”


Assim, em uma manhã ensolarada de segunda-feira, elementos do Batalhão de Operações Especiais, da nossa valorosa Brigada Militar, corriam pela orla, em formação militar, seguindo as ordens e repetindo as frases ditas pelo honrado membro que os guiava.

Não por acaso, pouco antes de entoar essa pérola para os subordinados repetirem, o suposto potente responsável por aquele grupo ordenou: “Olhar à esquerda”, quando passavam pela pista de skate.

Preconceito, ameaça, abuso de poder, desrespeito à integridade do cidadão, enaltecimento da violência praticada pelo Estado gritada com gana em uma linda manhã de sol em um espaço público.

Dá vontade de desistir. Não quero viver em um país que me joga na cara que nossas vidas nada valem. O restante da minha caminhada teve o eco daquelas vozes me acompanhando. As músicas que até então ouvia, perderam-se em meio ao estrondo provocado em minha cabeça.

O texto que eu vinha construindo, encolheu-se. Mais uma vez a violência do que vivemos tornou banal qualquer outro assunto.

Quero de volta a possibilidade de escrever memórias, de narrar belezas, de brincar com as palavras e provocar sorrisos. Preciso (precisamos) viver em um país que nos faça acreditar em mudanças que levem ao crescimento de oportunidades, à diminuição da desigualdade, ao respeito pela cidadania.

No dicionário, safado é definido como que ou o que não tem vergonha de seus atos censuráveis; descarado, desavergonhado, cínico.

Safados nos governam, ocupam posições de poder, ameaçam à democracia.
Temo os que estão lá e aqueles que os querem lá. Bom saber quem são. Assustam muito mais aqueles que se eximem de optar. O silêncio, a não-escolha, coloca em risco a nossa cidadania. Acima de ideologias, o que temos de enfrentar é a garantia da democracia em nosso país.

Não temos mais fôlego para o descaso. Temos de fazer uma escolha. Omissão será safadeza. Ainda prefiro quem assume, mesmo que não os queira perto de mim.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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