Eu era os Sete


Maria Avelina Fuhro Gastal

Bem branquinha e lábios carnudos. As semelhanças paravam aí. Na pele alva, milhares de sardas; a boca nunca teve cor de carmim; os cabelos, uma mistura de castanho claro/escuro e ruivo, uma mixórdia; franja, nem pensar, as ondas abundantes nos fios a faziam crescer para os lados e em direção aos céus, desconheciam a testa, enorme, como um ponto de permanência.

Madrasta, nunca tive. Mesmo que tivesse, jamais correria riscos. Nenhum espelho diria a ela que eu era a mais bonita.

Na história da Branca de Neve meus heróis eram os Sete Anões. Eu espirrava, e ainda espirro, como o Atchim. Começo o dia com, no mínimo, três espirros e outros ao longo do dia. O Mestre tranquilizava meu lado mandão, afinal alguém precisa por ordem nas coisas. O Dengoso morava em mim e, como o Feliz, não sabia se manifestar, mas estavam lá, doce, terno, alegre. O Zangado servia de escudo, no ranço escondia sentimentos. O Soneca saía do ar para não se envolver, nem sofrer. Do Dunga, trago até hoje os tropeços, alguma inadequação e silêncios repletos de significados.

Agora, querem acabar com os Anões. Pensam em substituí-los por duendes ou algo do tipo. Seria incorreto trazer personagens com deficiências. Nunca os enxerguei como deficientes, mas como adultos que traziam em si partes que a criança que eu era tinha em conflito.

A ida e a volta da mina, todos cantando, cada um cumprindo o seu papel, mas encontrando prazer e harmonia na integração, fazia com que características, ou defeitos, sumissem frente à totalidade.

Fantasia é refúgio. Nela encontramos símbolos e respostas para sentimentos que não sabemos nominar. Isso nos faz sentir acolhimento. Identificamos como característica aquilo que nos é apresentado como defeito.

Príncipes, princesas, fadas, anões, bruxas não nos fazem mal. Eles conversam como os nossos temores e com os nossos desejos, que nem sempre são reconhecidos ou admitidos como legítimos.

Acho que a ervilha entre os colchões é a atitude e valores na vida real. As crianças aprendem o que lhes é transmitido e aquilo que percebem além das palavras. Enquanto ignorarmos a ervilha e mantivermos uma sociedade desigual e preconceituosa, eliminar os Anões é somente mais um ato vazio.



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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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