Maria Avelina Fuhro Gastal
Há três semanas, diversas pessoas atribuíram meu quadro de alergia respiratória à primavera. Sempre que me falavam sobre essa possibilidade eu pensava: se estou assim agora imagina quando a primavera chegar.
Sabia que era outubro, acompanhei as postagens saudando a nova estação, mas o meu tempo interno estava suspenso e não acompanhava a métrica imposta. Nem o sabiá, que me acorda na madrugada há anos, cantara.
A primavera me chegou de soco, sem que eu percebesse que já estava nela. A árvore que acolhia o sabiá também desconheceu a mudança. Os galhos que se aproximam da janela do meu quarto continuam despidos. Não acolhem o sabiá, assim como eu não acolhi a nova estação.
O calendário nos doma, as horas, domesticam. Na soma dos dias com poucas perspectivas, eles perderam o poder. Restou-me viver o tempo das emoções.
Outono e inverno são introspectivos. O fogo na lareira, a manta de lã sobre o sofá e o chá quente nos convidam a hibernar.
Primavera e verão são extrospectivos. O calor do sol, as cores do dia e a leveza das roupas nos convidam a explorar.
Outono e inverno são saudades, primavera e verão, vontades.
Mantive-me no limbo para não sucumbir às saudades nem me render às vontades. Oscilei entre eles para continuar suportando o já insuportável. Se só saudades, afundo. Se só vontades, me arrisco. Em um fio de naylon equilibro as possibilidades para me manter saudável, seja lá o que isso for nos tempos em que vivemos.
Minha rede de proteção são os amigos, a família, os filhos e os netos. Para eles me jogo sem medo de não encontrar amparo.
Há dezenove meses não sabemos que vida vivemos. Há quase dois anos contabilizamos perdas e mortes. Têm aqueles que não se incomodam e desfilam sua arrogância e desrespeito, gargalhando. Mais do que lunáticos, perversos. Revivem suástica, ofertam lixo como alimento. Não cabem em qualquer das estações, mas invadem todas elas.
Resistir é enxergar esperança. É cantar, compor, sonhar, brincar, rir, encher de vida o caminho que eles tentam tornar estéril.
A primavera me chega aos poucos. Os dias se alongam, as ruas ganham vozes. O vento torna suportável o calor do sol na pele. As vontades adormecidas dão trégua às saudades já insuportáveis. Alternativas de aproximação tornam-se viáveis.
O outono e o inverno podem ser longos, mas não são eternos. A primavera e o verão não ficarão para sempre. Na oscilação das estações aprendemos que nem o horror nem o prazer são permanentes.
Não precisamos nos adaptar para sobreviver. Podemos enfrentar os extremos fazendo-nos fortes para que não nos derrotem.
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