Vozes


Maria Avelina Fuhro Gastal

Alguns dos mais de 603 mil mortos por Covid no Brasil falaram, hoje, através de seus familiares na CPI da Covid 19.

Pais, mães, esposas, irmãos, maridos, filhas, sobrinhos, tios deram a números, histórias. Finais de vida sozinhos, sem conseguir respirar, isolados de todos. Acometidos de imensa falta de ar, a mesma que foi ridicularizada em uma live presidencial.

Nunca o “tudo, ou qualquer coisa, menos o PT” deixou tão claro que valia o desrespeito, a indiferença ao outro, a morte, o extermínio. A Covid apenas acelerou a promessa. Em tempos de uso de máscaras, a podridão de nossa sociedade foi desmascarada.

Junto à avalanche de sentimentos que a já tão longa pandemia provoca em todos nós, me vi em conflito entre afetos e escolhas. Precisei buscar razões que justificassem o voto de pessoas que tenho na minha vida. Ninguém votou enganado, a verdade sobre a conduta, os valores (ou a falta deles), a ética (ou a falta dela) foi sempre vomitada em nós. Eu não queria perder as pessoas que sempre tive tão próximas a mim.

Vi várias dizendo-se arrependidas, tantas outras ainda defendendo e lutando pela manutenção deste governo desumano e perverso. Não tenho mais dúvidas de quem quero ao meu lado.

Não se trata de romper por causa da política. Votem em quem quiserem, desde que a escolha pressuponha valorização e respeito à vida. Votem em quem não votariam, desde que seja para nos tirar deste quadro de horror que estamos vivendo. Respeito qualquer voto que signifique possibilidade de voltarmos a ter espaço para avançar na democracia, garantindo espaço para debate de ideias, para enfrentamento das condições absurdas de diferença social, de fome, de distribuição de renda.

Rezar, fazer caridade, vestir verde e amarelo não faz de ninguém cidadão. Cidadania pressupõe reconhecimento do que é melhor para a sociedade. Quando a escolha para o social se baseia em interesse ou crença pessoal, ignoramos a existência do outro. Nada importa além de si próprio. Contaminem-se, sufoquem, morram, ofereçam seu lixo como alimento, aplaudam-no, riam do seu humor macabro, canalizem através dele toda a raiva, a perversidade, a desumanidade que vocês camuflam no dia a dia. Façam isso em nome de deus, enrolados na bandeira. Que ela seja a sua mortalha. Você, pelo menos, não será enterrado nu dentro de um saco preto.

Minhas escolhas continuarão se pautando pelo afeto e pelo respeito. Não tenho como acreditar que eles existam em quem insistir em fazer permanecer a opção que levou à morte mais de 600 mil brasileiros. Continuem sem máscara, para que eu possa mantê-los bem longe de mim.

Os dias não eram para ser assim. Escolhemos que fossem. Não merecemos perdão. Só nos resta chorar junto às famílias que deram vozes aos seus mortos na pandemia e garantir que na luta por justiça e por reconhecimento da dor eles não estarão, novamente, sentindo-se só entre tantos.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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