Um comunista aos pés da cama


Maria Avelina Fuhro Gastal

A primeira a reagir foi minha neta. Negava-se a dormir com aquele monstro olhando para ela. Minhas tentativas de mostrar que não era nada daquilo que ela enxergava não funcionaram. Não houve outro jeito a não ser tirá-lo da visão dela.

A segunda, foi minha filha. Também enxergou um mostro, macabro e aterrorizante. Não bastassem os vinte e sete anos de diferença entre elas, minha filha conhecia cada detalhe daquela visão, mas ignorou cada um deles.

O cabideiro de madeira, daqueles para terno, chapéu e sapatos era do quarto dos meus pais, lugar que minha filha conhecia desde o nascimento, o chapéu ganhei de uma tia de amigo secreto no Natal de 2018 e Renata estava junto. A máscara, era uma lembrança de “Sleep no more”, que ela havia me convencido a assistir e adoramos, a manta já foi usada por ela inúmeras vezes e o casaco compramos juntas, em cores diferentes, em uma viagem.

As duas enxergaram o que não estava ali. Eram objetos e peças da vida cotidiana. Não temeram o real, mas aquilo que criaram. Reconheciam cada elemento, por vezes usaram como figurino de brincadeiras ou itens de moda. Juntos, perderam o significado próprio e passaram a ter um outro atribuído pela fantasia delas.

Colocado aos pés da minha cama, vestido com chapéu, máscara, casaco e manta, o cabideiro transformou-se no que nunca foi, um monstro. A reação que as duas tiveram a ele me fizeram batizá-lo de Comunista.

Toda vez que minha neta vem dormir aqui, cubro o Comunista com um roupão na hora de nos deitarmos, mas, antes, brinco com ela usando cada uma das peças que o compõem e ela não teme.

Fosse eu perversa ou mal-intencionada, inventaria histórias, atribuiria poderes a ele e, assim, não precisaria dividir com ninguém aquilo que me pertence. Fossem elas crédulas ou incapazes de buscar na informação e na realidade a verdade, ele se tornaria ameaça. Teríamos um caso típico de manipulação do real e o pobre Comunista seria acusado de todas as barbaridades possíveis, mesmo não passando de um cabideiro antigo, vestido com itens atuais.



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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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