Infância


Maria Avelina Fuhro Gastal

No rádio, “Let it be”. Eu e minha filha cantando junto, no banco de trás, Alice pergunta que música era aquela. Renata fala dos Beatles, que ouvia, quando menina, junto comigo e eu conto que a primeira vez que ouvi aquela música era ainda criança, um pouco mais velha do que Alice é agora.

Naquele momento, três meninas, de diferentes gerações, reencontram-se nas experiências da infância.

Pular amarelinha, tomar banho de chuva, catar conchinhas na praia, soprar bolinhas de sabão, fazer de uma barraca de lençóis um castelo ou um forte, ler nuvens, superar o medo com poções mágicas, enfrentar dragões embaixo da cama e monstros nas sombras das paredes não ficam no passado. Convivemos com as crianças que nos cercam e com aquela que fomos.

Ser criança não é fácil. Viver não é fácil, mas, mesmo assim, ainda maravilhoso. Crescemos com a esperança de tudo compreender, controlar ou superar. Permanecemos envolvidos em dúvidas e temores. Perdemos a possibilidade de demonstrar nossas fraquezas.

O colo nos faz falta. Vestimos a armadura da adultez, sufocamos a criança que carregamos. Ela traz o carinho e amor que recebemos, as violências e descasos que vivemos.

Idealizamos a infância para aplacar nossas dores. Dizer que ser criança é tudo de bom, é desqualificar o sofrimento que os pequenos têm ao tentar compreender o mundo, as relações de poder, a ambiguidade de seus sentimentos.

A criança que fomos não nos abandona. Ela se revela no quanto julgamos merecer de amor, de felicidade, de reconhecimento. Ela também não abandonará as crianças que temos em nossa volta, sejam da família ou aquelas jogadas em sinaleiras, na periferia, nas instituições.

Jamais seremos capazes não errar com uma criança, mas atingimos o ápice da perversidade quando acreditamos que somente as nossas são crianças, as outras são carentes ou abandonadas, sem direito à infância.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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