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Maria Avelina Fuhro Gastal

Você usa método contraceptivo, só faz sexo seguro e cuida o período fértil, mas, do nada, sente enjoo e a menstruação atrasa. Pânico. Relembra todas as vezes possíveis de ter engravidado. Percebe que nem foram tantas assim. Nada explica os sintomas. Descuido, falha, azar. Só resta ir ao laboratório e aguardar o resultado do exame.

Entre a coleta e o resultado, pensamentos contraditórios não dão um minuto de sossego. Certeza do negativo, escolha do nome.

Vivi essa semana algo similar, sem nenhuma manhã, tarde ou noite de prazer desmedido anterior. Em tempos de Covid, positivo ou negativo adquirem outra dimensão. A possibilidade de uma nova vida, dá lugar a possibilidade de morte.

Primeiro, espirros incessantes. Fosse paciente da Prevent Senior já estaria tomando cloroquina. No dia seguinte, um congestionamento nasal e coriza intensa no final da tarde. Terceiro dia, coceira e ardência na garganta. Isolada, novamente. Mais tempo livre para caraminholas. Única saída, encontro com o cotonetão para coleta de material. Desagradável, mas suportável. Insuportável o prazo para a resposta. Mede temperatura, torcendo para que se mantenha baixa. Espirros sem fim, agora acompanhados de tosse. Conto os dias para ver se estou entrando na fase infecciosa de uma doença que nem sei se tenho. Comecei a escolher o nome do bebê.

Uso proteção sempre, tenho pouquíssimos contatos sociais, higienizo tudo que vem da rua (tá bom, sei que não precisa, mas não custa, né?), uso álcool em gel como loção hidratante, faço tudo que não é orientado pelo desgoverno federal, esquema vacinal completo, como poderia ter me contaminado? Onde teria errado?

A força da criação dentro da doutrina da igreja católica não dá trégua. Prazer, medo e culpa, abraçados. Resolvo que não irei mais à feira nem ao supermercado. Farei caminhadas em ruas desertas, torcendo para não ser assaltada. Desisto. Se sobreviver, quero viver, um pouquinho que seja. Os sete meses isolada e trancada em casa no ano passado chegaram ao meu limite de tolerância.

Hoje, no final da tarde, quando, finalmente, o laudo foi liberado pelo laboratório, respirei aliviada, mas ainda congestionada, “não detectado vírus para Covid”. Não foi dessa vez.

Sabe quando o HCG dá negativo e você até já tem nomes para o possível bebê? Pois é. Foi quase como se eu já tivesse escolhido, afinal, se estou bem, ninguém na minha família apresenta sintomas, não seria melhor ter sido detectado? Agora, resta reiniciar o processo de domar o medo e retomar o pouco da vida, muito distante do que seria normal. Até quando?

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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