Maria Avelina Fuhro Gastal
Quando acordei no dia seguinte ao meu décimo sétimo aniversário, menos de um ano me separava daquilo que eu acreditava ser a minha liberdade. Maioridade, possibilidade de votar, tirar carteira de motorista, ingressar na faculdade, ser dona do meu nariz.
Vivi aquele ano com expectativa, imaginando cada voo, inúmeras aventuras, infinitas possibilidades de vida.
Aos 18 anos, votei para vereador, passei no vestibular, continuei morando com os meus pais, tendo que obedecer a todas as regras que achava absurdas: horário determinado para chegar em casa, proibição de ficar sozinha com o namorado, porta do quarto sempre aberta. Carteira de motorista só aos 19 anos e permissão para usar o carro só para atividades familiares, jamais para passeio com amigas ou ida para a aula.
A maioridade não resolveu meus problemas como eu imaginava. A vida continuou ao ritmo ditado pelos meus pais, pelos compromissos com os estudos, com o tédio em pensar que nada melhorava. Sem voos extraordinários nem aventuras inesquecíveis.
Na rotina foram sendo construídas as infinitas possibilidades de vida. Escolhas acertadas, outras muito equivocadas, desvio de rotas, rompimentos, recomeços, alegrias e tristezas, às vezes desespero e cansaço, arrependimentos, perseverança, desistências, retomadas, novo caminho, tudo sem muita certeza nem muita consciência. Entre altos e baixos, décadas se passaram. Erros, acertos e uma bagagem de histórias para balizar o que virá a seguir.
Hoje, 3 de outubro de 2021, acordei com a mesma esperança daquele longínquo dia após meu aniversário de 17 anos. Trezentos e sessenta e quatro dias para as próximas eleições. Sei que não viverei no país que sonho mesmo que o atual presidente saia derrotado. Mas a possibilidade de termos como mandatário alguém humano traz a perspectiva de buscarmos alternativas de respeito às pessoas, de substituirmos discurso de ódio por políticas de inclusão, de valorizarmos o conhecimento e enxergarmos a importância das humanidades na formação de uma nação.
Diferente da menina que fui, sei que cada avanço se dará no dia a dia, erros acontecerão, retomadas serão necessárias. Não podemos negar a força que existe para manter privilégios, garantir a economia acima da vida. Ela permanecerá atuante, assim como, mesmo depois de velhos, repetimos comportamentos que obedecem ao que nossos pais incutiram em nós, para o bem e para o mal. Somente o reconhecimento do poder de vozes que permanecem como sussurros permite que possamos avançar fazendo escolhas mais conscientes.
A contagem regressiva é de todos. Nada está ganho. Nada está perdido. Reconhecer o que está no jogo, dificulta que sejamos manipulados. Há lado. Estamos entre a barbárie e as possibilidades democráticas, entre o aniquilamento e as possibilidades de reconstrução. Escolhamos com a mínima chance de arrependimento. Nem tudo será resolvido, mas precisamos viver com a possibilidade de avançar com respeito e dignidade.
Mais do que sonhar, vou viver estes próximos trezentos e sessenta e quatro dias buscando maneiras de tornar sonho, realidade. Quero um fim para esse anunciado e já tão longo pesadelo.
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