Habeas corpus preventivo


Maria Avelina Fuhro Gastal

Avós estragam as crianças. Primeiro ponto, seriam as crianças um pedaço qualquer de carne que, se não refrigerada, estragaria? Ou frutas que, se não consumidas a tempo, apodreceriam? Crianças podem ser ignoradas, maltratadas, abusadas, desrespeitadas, jamais, estragadas. Segundo ponto, a afirmação, que a princípio diminui a criança, acusa os avós de serem prejudiciais aos netos. Ora, me poupe.

De início, somos cuidadores substitutos dos pais. Se fosse dada à criança a possibilidade de escolha, ela não recairia em nós. Nesse período, precisamos manter as rotinas estabelecidas, seguir as orientações recebidas, respeitar horários, regras. Nosso papel é ajudar os pais e os bebês a se sentirem seguros durante os afastamentos.

Alguns anos e passamos a ser opção da criança – Eu quero ficar com a vovó. Ou vovô. Ou com os dois. Daí, a relação passa a ser estabelecida em acordos feitos entre avós e netos.

Pais são regras e limites, avós são exceções e concessões. As combinações são feitas em uma outra relação. Os pais não serão desrespeitados, mas não mandarão na casa dos avós. Comida especial, um docinho de sobremesa, banho enforcado, um filme na cama antes de dormir, não matam, não ferem, não “estragam” ninguém.

Já fomos pais, agora somos avós. Seremos bruxas, rainhas, cavaleiros, magos. Viveremos com os netos as fantasias e brincadeiras que não tínhamos tempo com os filhos. Eles são os pais que querem ser. Nós seremos os avós que queremos.

Não somos mães com açúcar. Mães fomos dos nossos filhos, às vezes açucaradas, em outras impacientes, por vezes furiosas, também ocupadas, culpadas, ausentes e presentes. Somos avós. Podemos nos servir dos modelos de avós que nossos filhos tiveram e ajudá-los a lembrar o quanto era bom ser neto. Podemos nos servir dos modelos de avós que tivemos, relembrar o afeto, ou medo, que sentíamos perto deles. Podemos misturar tudo isso e nos reinventarmos como avós.

Netos não são rotinas. São barracas na sala, bagunça pela casa, lareira no verão, sorvete no inverno, cama no nosso quarto, ou diretos na nossa cama, são horas a mais acordados, soninho estendido pela manhã. Netos são férias, festas, recreio. Eles nos colocam na vida a passeio.

Ser avós é o papel mais livre e libertador de nossas vidas. Somos movidos pelo amor, pelo reencontro da criança que fomos, que nossos filhos foram, pela possibilidade de nos deixar levar pelas descobertas, pelas curiosidades trazidas por uma criança que sintetiza nosso passado, explora o presente e nos projeta para um futuro que vai além de nós.

Papais e mamães, fiquem tranquilos. Não faremos nada que prejudique os seus filhos. Vocês são a prova viva de que sabemos cuidar sem causar dano irremediável. No entanto, quando passamos a ser opção dos netos, deixamos de ser extensão. Aceitem que dói menos, aproveitem o tempo sozinhos, relaxem. Nós estaremos nos divertindo.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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