Maria Avelina Fuhro Gastal
No mínimo, um ano e meio, em alguns casos, dois anos. Esses são os tempos transcorridos desde a última vez que encontrei familiares e amigos.
Com a segunda dose da vacina e a ampliação do calendário para faixas etárias mais baixas, a possibilidade de encontro ou reencontro ganha ares de sonho possível. Seja em praças, parques, ou qualquer ambiente aberto, estar com as pessoas passa a ser um pouco menos assustador. Confesso que ainda tenho medo, mas o isolamento e as ausências têm pesado mais do que o temor.
Para evitar surpresas, antecipo que esse tempo cobrou seu preço. Há rugas que não existiam. Por sorte, a máscara oculta o código de barras nos lábios, mas, por outro lado, me impede de arriscar o batom vermelho.
Estou grisalha e crespa. Sim, meus cabelos sempre foram crespos, embora nem eu lembrasse mais como eram. Foram anos de truques, química e desespero para fazer com que parecessem, se não lisos, pelos menos jeitosos e menos volumosos. Touca com 600 grampos, meia de nylon para segurar os grampos durante a noite, alisamento químico que torrava o couro cabeludo, escova, chapinha, relaxamento, selagem térmica, escova definitiva e, no fim, cabelo preso na maior parte do tempo.
Pior foram todos os banhos de mar e piscina evitados para não detonar o efeito liso ou parar de dançar porque transpirar encrespava o cabelo. Neblina, banho de chuva, dia úmido, jato de mangueira, todos inimigos imbatíveis. Uma vida guiada pela obstinação de não ser o que eu era, crespa.
Cansei. Danem-se as expectativas, a imposição de modelos. Se no início foi por preguiça de secar o cabelo a cada lavagem para ficar isolada em casa até ter que lavar o cabelo de novo, e de novo, se a impossibilidade de ir a um salão impediu que continuasse enchendo meus cabelos de química, com o tempo, já tão longo nesta pandemia, passei a deixar meus cabelos ao natural. Junto com os cachos, vieram os fios grisalhos. Primeiro, sem alternativa para cobri-los, depois com uma aceitação da presença deles.
Não sei se teria acontecido sem a permanência em casa, isolada por tanto tempo. De alguma forma, todas as coisas passaram a ter um outro significado. E a ressignificação tem passado por um processo de descobertas, de aceitação, de valorização do que me é essencial. Não quero que o medo de transpirar para não encrespar os cabelos me impeça de dançar. Quero banhos de piscina, de mar e de chuva. Quero a vida de volta com todas as possibilidades, sem limites bobos que me impeçam de mergulhar nela.
Se quando me encontrar com vocês eu estiver de cabelos presos, saibam que ele acordou com vontade própria e tive que domá-lo. Ele não vai mais tolher minha vontade de estar com vocês. Faça chuva ou faça sol.
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