Bala gasosa


Maria Avelina Fuhro Gastal

A referência à bala gasosa no Sarau Elétrico, última terça-feira, me deu água na boca, seguida do espanto pela informação de que não há imagens da bala na Internet. Tive que conferir. Não por falta de confiança na Katia Suman, mas, sabe-se lá, na nossa idade, às vezes, nos atrapalhamos nas buscas no Google.

Futrica daqui e dali, altera a pesquisa, e achei uma balinha que lembra a bala gasosa, em um cantinho, entre tantas outras, como se fosse menos importante. Inadmissível. Além disso, na minha memória, a cor era laranja e, a do cantinho da imagem, é meio rosada.

A xaxá, a 7belo, a soft têm pilhas de imagens. Não chegam aos pés, ou melhor às papilas, da gasosa. Quem conheceu não esquece jamais. Redondinha, em uma embalagem transparente, com as pontas enroladas como balas das historinhas de gibi. A visão atiçava a vontade. Depois de sentir a forma arredondada nas mãos, usava-se os dedos polegares e indicadores para segurar as pontas da embalagem e torcia-se em sentido oposto para abrir. A bala quase sempre ficava grudada no papel, podendo ser levada direto à boca, quando língua ou dentes terminavam o processo. Ao primeiro contato com a saliva, cócegas espalhavam-se pela gengiva, céu da boca e toda a mucosa borbulhava. O gosto permanecia e fazia querer mais. Insaciável. A bala gasosa foi a primeira experiência análoga ao beijo de muitos de nós. Só não havia o outro. Como o Google ignora?

Temi pelo apagamento de outras experiências que tive. Pesquisei imagens da boneca Beijoca. Inúmeras. Todas parecendo o Chuck. A minha não era assim. Era um bebê lindo, que estalava um beijo quando eu movimentava os bracinhos dela como se fosse me abraçar. Ou foi assim, até que meu irmão desmontou para ver como funcionava e nunca mais conseguiu montar. Fiquei aliviada por não haver imagens do brinquedo Pequeno engenheiro eletrônico, arma de assassinos de bonecas, na Internet.

Quantas coisas não terão sido ignoradas pelo Google? Quantas não passam de mera informação? Carecem de essência, não trazem o vivido. Neste tempo suspenso, as telas nos trazem companhia, a Internet nos leva para o mundo que não mais alcançamos sem risco de matar ou morrer. Mas perdemos a intensidade do contato, do toque, da proximidade.

Informação é recorte. O todo se dá na vida, na experiência que se torna legado através da contação, da oralidade, da escrita, da leitura. Somos mais que algoritmos, construímos além de palavras-chaves de pesquisa. Nenhuma tecnologia dará conta da possibilidade do olho no olho, do arrepio na nuca, da boca borbulhando.

Faço da bala gasosa meu símbolo de resistência. Nós existimos, mesmo que alguns ignorem. Não são eles que estabelecem o nosso valor. Terminada a pandemia, vamos todos sair por aí tornando-nos inesquecíveis.

Doctor Google que fique com a informação e lide com suas falhas e omissões. Eu quero as sensações, as lembranças. Quero a vida, borbulhando e fazendo cócegas.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 248420

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose