Tempo e resistência


Maria Avelina Fuhro Gastal

Shall we dance? Aposto que muitas pensaram no Richard Gere, subindo uma escada rolante, com uma rosa vermelha na mão, te convidando para dançar. Ou na JLo, em um vestido de malha, ombros à mostra, curvas marcadas, ensinando a você cada passo, enquanto a sua mão entrelaça a cintura dela. Não sei vocês, mas eu não estou disposta a esquentar cadeira enquanto o Richard não me descobre. Por isso, eu danço.

Talvez dançar não seja bem o termo, mas eu tento. Quatro vezes por semana, junto a um grupo de mulheres divertidas, com idades entre os trinta e os sessenta e alguma coisa, encaro aulas de ritmos e zumba. Nosso desafio é soltar o quadril, rebolar, ir até o chão, ou até onde os joelhos permitem, e evitar trombadas, já que, às vezes, nos giros nos encontramos no meio do caminho, sinal de que algo não deu certo. E rimos. Rimos quando erramos, quando nos entusiasmamos, quando uma de nós termina o passo virada para o lado errado, encarando a todas, quando deveria estar voltada para a professora. Ensaiamos movimentos sensuais, de strip-tease, e, acima de tudo, nos liberamos das repressões e censura. Tudo com muita diversão e afinidade. Tanta que seguido prolongamos o nosso encontro além das aulas em um happy, suadas, mas felizes.

Dançar não é seu chão? Tudo bem. Tente outra coisa. Cantar? Adoro. Não faço nenhuma aula de canto, mas amo interpretar Escrito nas Estrelas com todos os agudos e emoção que a música requer. Para quem ouve, é inesquecível. Mas só poucos tiveram a oportunidade de viver essa experiência.

Nem dançar, nem cantar? Há tanto mais. Pinte, borde, recorte, fotografe, leia, escreva, plante, cozinhe, invente, se reinvente.

Muitos de vocês ainda estão vivendo a etapa da vida em que nos falta tempo. Estão construindo carreiras, criando filhos, equilibrando contas, cuidando dos pais, limpando a casa, juntando brinquedos, organizando a agenda das crianças, compatibilizando seus horários com os delas. Muitos de nós já vivemos isso. Sobrevivemos e hoje temos tempo. Mas daí reclamamos que ele é demais. Não sabemos o que fazer com ele. Fomos por tanto tempo prisioneiros dele, que não sabemos como ser donos. Natural que nos assustemos no início. O susto nos faz procurar alternativas.

A partir daqui o texto fará mais sentido para quem já tem filhos criados, está aposentado ou prestes a se aposentar, já é considerado por alguns como idoso. Mas nós, os ditos idosos, torcemos para que vocês também cheguem lá, apesar de todas as dificuldades vividas no nosso país.

Quando o tempo cresce em nossas vidas, podemos sucumbir ou renascer. Penso que algumas armadilhas podem nos adaptar ao excesso de tempo sem que o aproveitemos para estar melhor. Queixas, sofá, TV, pantufa e netos são, para mim, as mais palpáveis. As queixas nos tornam amargos, difíceis de conviver, o que acaba aumentando o tempo esvaziado de prazeres e descobertas. Sofá, TV e pantufa são o kit desistência. Não quer mais salto alto? Troque por uma sapatilha ou tênis. Sofá e TV pode ser uma opção para momentos de relaxamento, mas nunca a única opção para o dia, para a semana, para o mês, para a vida. E os netos? Coisas mais fofas e queridas, mas não são nossos filhos. Estar com eles é um prazer, mas não uma obrigação. Deixemos que os pais sejam pais, que organizem seus horários, que busquem alternativas de cuidados, que tenham daqui uns anos a lembrança de terem sido realmente pais e não irmãos mais velhos de uma criança extemporânea em nossas vidas. Já fomos pais, agora vamos aproveitar o melhor de sermos avós.

O que fazer, então, com o tempo? Sei lá. Invente, descubra o que lhe dá prazer. Eu ainda estou tentando aprender a lidar com o tempo livre, fazer dele um prazer. Mas ele é pouco na minha vida. Preenchi o tempo esvaziado de filhos, casa, trabalho com atividades físicas, cursos de literatura, de escrita, de inglês, com leituras, com a escrita, com os amigos. Falta nele um trabalho voluntário, mas é meta para este ano.

Tem dúvida se ainda há afinidade com amigos de mais tempo, do colégio, da faculdade, da infância ou adolescência? Arrisque. Aceite convites. Se não tiverem muito em comum, relembrem o passado, riam das lembranças. Quem sabe uma nova afinidade surja. Ou parta para outra se achar melhor. Mas não desista de tentar. Vá aos encontros, mas deixe as queixas e o ranço em casa. Esqueça deles por um tempo e eles esquecerão de você.

Chegar a esta etapa da vida em um país que não respeita os mais velhos, que propaga que pagar aposentados é gasto sem retorno, é por si uma conquista. Viver este período com prazer, alegria, entusiasmo e amigos, é uma vitória. Sair de casa, ocupar espaços, contribuir com a nossa experiência, é um ato de teimosia. Estar pleno, se reinventando e aproveitando a vida, é um ato de resistência. Devemos isso aos que ficaram pelo caminho, devemos isso a nós. Só inteiros poderemos nos manifestar contra os absurdos. Só felizes poderemos lutar por uma sociedade mais justa. Agora, se além de tudo isso, você namorar e transar, então é desobediência civil. Estaremos a um passo da revolução.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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