Primeiro amor


Maria Avelina Fuhro Gastal

A princípio, não sabia que era amor. Presente no meu cotidiano, não percebia a intensidade do sentimento. Talvez por falta de experiência ou, quem sabe, por só ter, até então, conhecido o amor familiar.

Meus pais perceberam os sinais. Usaram todos os artifícios para desviar meu foco. De início, sutis. Sem resultados, passaram a uma ofensiva mais forte, até alcançar o argumento de que, na essência, meu sentimento nascia de uma traição.

A cada investida contrária, maior o meu apego. Passei a experimentar sensações desconhecidas. Descobri prazeres, enfrentei medos, avancei sinais.

Em pouco tempo, reconheci o amor. Nunca sereno, mas presente até hoje, mesmo com afastamentos, desencanto, decepções.

Agora, a saudade é infinita. Traz à memória a afinidade, o bem-estar. A razão tenta alertar para os perigos, mas a esperança pelo reencontro ignora as raivas acumuladas.

A cada reencontro, nos envolvemos. A cada reencontro, nos magoamos. A cada reencontro, nos afastamos.

Neste tempo de distâncias, mudei. Meu rosto traz mais rugas, meu cabelo denuncia o outono tingindo de prata os fios antes acobreados. Descobri o quanto me faz falta abraços, sorrisos e aconchego.

Temo as mudanças que encontrarei além de mim, não mais reconhecer tudo que eu tanto amei, me deparar com dor e tristeza acumulados em cada esquina deste longo ano que nos mantém apartadas. Nunca estivemos tanto tempo ausentes em nós.

Amor assumido, desobediente à família. Não renego minha origem. Nasci em Pelotas. Sou porto-alegrense. Amo, odeio, elogio, xingo Porto Alegre. Vibro quando ela se humaniza, sofro quando ela se curva e perde o respeito pelas diferenças.

As janelas que hoje me trazem a cidade aumentam as saudades das ruas arborizadas, dos encontros no brique, dos cafés após o cinema. Esqueço das ruas esburacadas, dos containers invasivos, do lixo pelos caminhos. Me angustio com o aumento no número de desassistidos, desempregados. Choro o número de contaminados e de mortos pela Covid e a valorização do capital em detrimento à vida.

A Cidade que um dia foi Sorriso, aniversaria em lágrimas. Ela precisa de um abraço que traga solidariedade, humanidade, cuidado e espante o preconceito e a ganância. Quando as portas se abrirem, precisaremos buscar formas de resgatar o Sorriso apagado.

Porto Alegre, meu primeiro amor, amor descobertas, amor sereno, amor bandido, amor eterno. Estou com saudades. Te quero melhor, mais humana, mais justa.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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