Bomboniere de lembranças - inventário 2020


Maria Avelina Fuhro Gastal

“Resolvi, então, colecionar levezas. Iniciei 2020 separando uma bomboniere transparente para nela colocar papéis dobrados, coloridos, descrevendo momentos e sensações boas do ano. Minha ideia é de, na virada para 2021, reler cada um deles e relembrar o que me fez bem ao longo do ano.”

Esse trecho faz parte da crônica Bomboniere de lembranças, publicada por mim em 07/01/2020. O Facebook me lembrou do post, hoje, exato um ano depois.

Decidi abrir os papeizinhos coloridos e colocá-los em ordem, por data. O que no início são momentos de vida, logo se transformam em fatos isolados para dar algum sentido à vida.

Lembranças de encontros, risadas, viagens são substituídos por textos em mensagens, cartões, por comentários aos textos que publico aqui, conversas e sorrisos da minha neta na tela do celular. Fragmentos de leveza que possibilitaram suportar 2020.

Não há lembrança sem a presença do outro. Fica a ausência, a impossibilidade da troca.

De todos os momentos importantes da minha vida, o que carrego como memória é a sensação causada pela presença do outro. Seja na sala da minha casa, na beira do mar às voltas com o Nordestão ou nas águas inigualáveis do Caribe, nas ruas do interior do Estado ou nas avenidas do Rio de Janeiro, em qualquer canto do Brasil ou em qualquer canto de Portugal, Itália, Paris, Colômbia, Canadá, Nova York, Chile ou Cuba o que me acompanha como leveza não são os museus, os shows, os pontos turísticos, as compras. São as conversas madrugadas a dentro, as mímicas do Imagem e Ação, o biscoito Globo coberto de areia na boca da Alice, o creme brulle dividido e as horas caminhando em Paris que quase me custaram uma amizade de anos, a coragem da minha amiga em provar as formigas assadas em Barrichara, as descobertas de cantinhos em Nova York por ter a companhia da minha filha em infindáveis caminhadas para sentir a cidade, a tarde de sol em um parque de Santiago com a Alice rolando na grama, viagem de família para comemorar muito mais do que o meu aniversário, as tentativas lamentáveis de subir em uma cadeira de ar na piscina do hotel em Porto de Galinhas, sempre com o apoio incansável da Rê, acompanhado das, também, incansáveis gargalhadas, as tentativas, em meio a risadas e caras de nojo, de encontrar um quarto na pousada em Varadero que funcionassem a descarga do banheiro e o chuveiro.

Mensagens, e-mails confortam, mas preciso da presença, da voz, do olhar, da companhia, da troca. No lançamento de Ecos e Sussurros faltaram as pessoas, a fila, o reencontro; no de Marias e Clarice, o ambiente do bar, o encontro de várias Safras. No nascimento do Miguel faltou a expectativa na sala de espera, a visão dele no colo do meu filho sendo mostrado para nós, os abraços emocionados entre avós, tios, irmã e primo.

A vida não parou. Ela continua sem as presenças. Não importa o que eu tenha colocado na bomboniere de 2020, ele sempre será o ano das ausências.

Em 2021, continuarei com a bomboniere. Trocarei a lógica das cores dos papeizinhos. Tudo que me reconfortar, registrarei nos papéis verdes, com data e nome da pessoa que me trouxe alguma leveza naquele momento. O papel branco será guardado para conter, em letras garrafais, só uma palavra: VACINADA. A partir daí, faltarão cores para identificar todas as lembranças que virão com os encontros represados e todas as ausências transformadas em presenças.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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