Muito além do hino


Maria Avelina Fuhro Gastal

Em um país que conta a história do povo africano trazido contra a sua vontade, em navios negreiros como carga, acorrentados, vendidos com mercadoria, açoitados, jogados em senzalas, tendo qualquer condição humana negada, denominando-os de escravos, nunca escravizados, não tem como negar que o verso “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo” é ofensivo e humilhante. Inverte valores. Virtude faltou ao branco que escravizou negros e índios. Faltou ao país que foi o último a abolir a escravatura. Falta até hoje quando joga negros na periferia das grandes cidades, julga pela cor, nega o racismo estrutural e mantêm condições desumanas de salários, saúde, educação e oportunidades.

Além do mais, o Hino do Rio Grande do Sul engrandece uma data encharcada pelo sangue dos Lanceiros Negros, ignora a traição que sofreram. Lutavam em troca da libertação, foram massacrados para não desestabilizar a sociedade escravagista.

O respeito aos símbolos deveria se dar pelo significado que eles possuem na história de um povo. Nós a embranquecemos, mentimos, omitimos fatos. Maculamos a legitimidade dos símbolos. Eles representam sempre a casta dominante e o poder econômico. O debate na Câmara de Vereadores não é pelo respeito, mas pelo temor à representatividade e voz de segmentos até hoje alijados das esferas governamentais.

Na última campanha eleitoral para a presidência da República, a bandeira do Brasil, o verde e o amarelo foram associados a um discurso de ódio, racista, homofóbico, misógino, e não houve clamor para que os símbolos fossem respeitados. Aderiram ao desrespeito. Venceu a supremacia branca, masculina, violenta. Foram escolhidos: a segregação, o preconceito, o racismo.

No fim, é disso que se trata: não mudem o que está bom para mim, não tentem conquistar lugares que são meus, não pense que você é como eu, pois não é. As máscaras caem, o embate cresce. Não há mais espaço para conciliação acomodadora, ela só beneficia quem já é privilegiado.

Aqueles que acham que tudo é mimimi, que o racismo não está em todos os aspectos de nossa vida social, têm serviçais negros, pagam salário mínimo por uma jornada absurda de trabalho, não dividem a mesa com os empregados, não se importam em comer filé, picanha, camarão, enquanto o que pagam a quem os prepara mal dá para a farinha e o feijão.

Torço por mais questionamentos, por mais transgressões à ordem hipócrita estabelecida. Sonho com um país mais justo que provavelmente não verei, mas tenho muita esperança de que existirá um dia, depois de muita denúncia e luta.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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