Confluência de tempos verbais


Maria Avelina Fuhro Gastal

Em 2020, eu viajaria mais. Receberia família e amigos. Prepararia chocolate quente, feijoada, carne assada na panela ou no forno, sopas, saladas inventadas, sobremesas sem seguir receitas. Até bolo eu tentaria acertar. Buscaria minha neta na escola algumas tardes, voltaríamos conversando sobre o novo colégio e novos amigos, enquanto tocaria a playlist dela e cantaríamos em dueto Mamma Mia, Be my baby e Lady Gaga. Lançaria um novo livro com sessão de autógrafos na Feira do Livro e estaria com amigos e família naquele período mágico da Praça da Alfândega. Aumentaria para 10km minha meta diária de caminhada. Continuaria com o pilates, o GAP, a zumba, o combat e experimentaria a funcional. Manteria a massagem, faria a manicure toda a semana e a pedicure a cada quinze dias. Faria viagens curtas para Pelotas, para a Serra, para o litoral, para algum lugar do interior só pelo prazer de viajar com amigos.

Na realidade, viajei uma vez. Não recebi ninguém. Estive com a família e amigos bem perto de mim, sem a presença física. Cozinhei algumas vezes em quantidades maiores e distribuí entre filhos e sobrinhos. Não acertei o bolo. Minha neta teve aulas on line. Não cantamos juntas, mas brincamos de maquiagem em vídeo chamadas. Lancei um livro na Feira do Livro, não na Praça, mas por live. Autografei, com muito carinho, e saudades, para cada um a quem o livro foi enviado pelos Correios. Retomei as caminhadas há dois meses, comecei com a meta de 4km, hoje estou em 6km diários. Mantive o pilates, o GAP e a zumba, sempre que a conexão não caiu ou travou. Massagem esqueci o que é. Descobri que posso ser esforçada, mas sou péssima manicure ou pedicure. Não fui a Pelotas nem quando sabia que deveria e queria estar lá. Prazer com amigos nem na Serra, nem no litoral, nem em viagens curtas, apenas nas telas quando a imagem não congelava.

Estou cansada de 2020, da pandemia, do isolamento. Estou indignada com tantas mortes, contaminações e de tanto descaso de um governo sádico. Estou envergonhada com tanta violência e morte por racismo. Abalada com tantos feminicídios. Chocada com tanta indiferença à desigualdade social.

Hoje, quero acreditar que acabou. Vamos ao encontro de um novo ano. Por algumas horas acreditemos em um mundo melhor. Busquemos nessa crença a força para resistir ao que ainda virá.

Na virada estarei com meus filhos, nora, genro e netos. Agora, dois. No finalzinho de 2020, a chegada do Miguel e três dias inteiros com a Alice. Finalização do ano em forma de sonho e aconchego. Deste ano que termina sem ter começado fico com o que tenho de mais importante na vida, minha família e o afeto e respeito que construímos.

Em 2021, brigarei pelo que acredito, não calarei sobre absurdos, valorizarei, ainda mais, as pessoas que lutam por uma sociedade melhor. Continuarei próxima aos que amo, com saudades pronta para explodir em abraços e beijos. Não esconderei o que sinto. Tomarei a vacina, qualquer uma, todas, tantas doses quantas forem necessárias. Usarei máscara, álcool em gel, selecionarei com quem estarei. Sentirei a troca das estações no corpo.

Vamos dar crédito ao novo ano. Pelo menos na virada. Se degringolar, já adquirimos experiência para lidar com o imponderável. Só não podemos aceitar, jamais, que a barbárie vença. Ela tem força. Se desanimarmos, ela extermina os vulneráveis.

Chegamos até aqui. Pensemos em quem nos é importante e desejemos a todos um 2021 mais leve, e que a esperança e o amor vençam a intolerância e a indiferença.

Brindo contigo a este novo ano que chega.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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