Ainda sobre o Natal


Maria Avelina Fuhro Gastal

Dentre todas as decorações de Natal a que mais me enternece são botas penduradas na lareira. Desde muito pequena ficava encantada com elas nos filmes, talvez por não fazerem parte da ornamentação dos natais na minha família.

Tive filhos antes de ter as botas, mas a presença deles na minha vida aumentou a vontade de agregá-las à decoração natalina. Na falta de uma lareira, substitua dois enfeites de parede pelas botas de pano, ambas com fundo azul e barra branca finalizada com fios dourados, uma delas com a aplicação em tecido de um Papai Noel, e a outra, de um boneco de neve.

Os filhos cresceram, elas se mantiveram, ganharam a companhia de mais duas, uma para a nora, outra para o genro. Não cabiam mais nos pregos, separei a dupla inicial e coloquei-as lado a lado com as que tinham ingressado no hall das botas natalinas. Há seis anos, uma bota menor juntou-se ao grupo e passou a ser a popstar entre elas, e entre nós.

Em uma conversa por vídeo, Alice percebeu que não havia nada de Natal na minha casa. Temeu que Papai Noel pensasse que eu não queria o Natal e não trouxesse o meu presente para ela. Ofereceu-se para vir me ajudar com os enfeites, negociou com os pais a vinda na minha casa. Concordaram. No domingo, 20 de dezembro, na reta final, veio almoçar comigo e passar a tarde aqui. Chegou toda empolgada e, em menos de 1 hora, do zero de decoração natalina minha sala passou a um bazar da Lapônia. Nem o banheiro social escapou, toalha e sabonete decorados foram colocados para lembrar ao Papai Noel que a avó se importava com o Natal.

Coube a mim dependurar as botas. Não mais em pregos aleatórios, mas na lareira da sala. Estava faltando uma. Juntas, mandamos uma mensagem de voz pedindo a uma amiga a confecção. Pouco depois, recebemos a foto da mais nova bota do conjunto.

Foi nesse dia que percebi o que botas na lareira representam para mim. Elas são um pedacinho da família enfeitando a minha casa. Elas trazem memórias, histórias, expectativas. Nenhuma é igual a outra, mas gosto da forma como se harmonizam. Olho para elas e vejo o que éramos, o que somos. Elas não aumentaram só em número, mas em possibilidades, mantêm o afeto inicial, preservam o vínculo entre nós, mas expandem-se em novas configurações.

Não há bota para mim. Não teria sentido. Elas são o que veio de mim. Para mim, basta poder olhá-las e tê-las comigo a cada Natal. Ano que vem, estará entre elas o cartão que recebi “dos meus” junto com o presente: “Ave, em um ano atípico, a reedição de uma certeza: Estamos juntos! A vida faz mais sentido assim e nos ajuda a enfrentar o que não podemos controlar. Que esse presentinho sirva pra passar, pra guardar, pra inventar o tempo! Te amamos! Feliz Natal, dos teus.”

Não há tempo em que eles não estejam em mim. O mundo pode parar, a vida ficar em suspenso, mas o afeto construído resiste e faz toda diferença em momentos difíceis.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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