Sinceros pero no mucho


Maria Avelina Fuhro Gastal

Mentira é mentira. Isso não é verdade. Mentira tem classificação e até motivos nobres que a justifiquem.

Se você me convidar para jantar, se esmerar preparando qualquer coisa com um molho vermelho bem caprichado, eu vou elogiar. Direi que já estou satisfeita, como pouco mesmo. Menti duas vezes para ser educada; odeio molho vermelho e provavelmente fiquei com fome.

Todos os bebês que não são nossos, nem de alguém muito próximo, têm cara de joelho. Elogiamos, às vezes com grande esforço. Que fofo! Olha esse narizinho! Todo perfeitinho! Que graça! Ai que amor! Não nos custa nada dar apoio aos pais, celebrar com eles. Não é mentira na essência. É carinho, conforto. Só não diga que o bebê é simpático. Essa ninguém engole.

Mentiras sinceras são cuidados. Para que magoar? O telefone estava no silencioso, não ouvi a tua chamada. Minha internet caiu. Minha bateria está acabando, falamos depois. Que coincidência, estava pensando em te ligar. Este corte de cabelo ficou ótimo em ti. Claro que eu notei que você emagreceu. Adorei o presente. Algumas deixam a interpretação para quem ouve. Você não aparenta essa idade (preferimos ouvir como elogio, mas há margem grande de aparentarmos mais do que já temos).

Em algumas situações, confundimos. Nunca olhei para ela. Somos só amigos. Vou ficar trabalhando até mais tarde. É só uma colega de trabalho. Quando é verdade, juramos que é mentira. Quando mentira, acreditamos que é coisa da nossa cabeça.

Mentimos para as crianças salvando a fantasia. Papai Noel já recebeu tua cartinha. A Fada do Dente passou por aqui. Olha, pegadas do coelho! Ou, salvando a nossa pele naquilo que temos dificuldades em lidar. A cegonha traz os bebês. O vovô agora é estrelinha.

Optamos em acreditar quando tememos o incômodo que a verdade pode trazer. Primeiro o bolo precisa crescer, depois dividimos. Qualquer um que se esforce alcança melhores condições de vida. No Brasil não existe racismo. A empresa é sua também, vista a camiseta e vamos crescer juntos.

Ninguém pode dizer – Eu não minto – sem estar mentindo.

Todos mentimos. Os motivos são variados. O que difere a gravidade de uma mentira é a sua intenção. Se é enganar, menosprezar, desmerecer, desrespeitar, confundir, controlar, maltratar, existe nela perversidade. Essa é a mentira que aniquila com o outro, desqualifica vivências, enfraquece a possibilidade de resistência das pessoas. É abuso. É mau caratismo. Precisa ser desmascarada e punida pelos danos causados.

Mentiras têm construído a história.

Mentiras têm matado negros, mulheres e pobres.

Mentiras têm lotado UTIs, disseminado o contágio pelo coronavírus, impossibilitado o acesso universal à vacina contra a COVID-19 no Brasil, quando, e se, ela chegar até nós.

Mentiras têm tido o respaldo de muitos.

A verdade é que a pandemia está fora de controle. Ou você ainda acredita que é só uma gripezinha, que não atinge quem tem histórico de atleta, os preocupados com ela são maricas e que, não precisa ser da área da saúde para estar à frente do Ministério da Saúde, basta ser bom em planejamento estratégico?

Se você ainda acredita em tudo isso, aproveita a vinda do Papai Noel, sente-se com ele e pergunte como estão lidando com a pandemia os chefes de governo que não brincam de faz de conta nem menosprezam a morte de seus cidadãos.





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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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