Desobedecer é vida


Maria Avelina Fuhro Gastal

Nessa última semana não publiquei, aqui, nenhuma crônica.

Falta de assunto? Sem chance. Eleições municipais, aumento assustador do índice de contágio da COVID-19, repercussões sobre o assassinato de João Alberto Silveira Freitas pelos seguranças da empresa contratada pelo supermercado Carrefour, violência policial na França, alegação de situação de pobreza feita por Melo para não pagar dívida fiscal, crise diplomática entre Brasil e China, morte do Maradona, ausência de um esquema estratégico para uma futura vacinação contra o coronavírus no Brasil, índice de desemprego no país, feminicídios, black Friday, calor escaldante na primavera e muitos outros temas renderiam inúmeras crônicas.

Falta de inspiração? Há muito deixei de acreditar nela. Escrever é trabalho, pesquisa, construção ordenada de ideias, busca incessante da palavra exata, do ritmo do texto. Na minha cabeça, várias crônicas tiveram vida, mas não foram para o papel.

O motivo foi um só, desobedeci a mim mesma.

Cresci repetindo um bordão – Pra mim, tanto faz -. No início uma mentira. Claro que eu tinha uma preferência, mas não a explicitava. Depois, tornou-se uma incapacidade em reconhecer meus desejos e de dar voz a eles.

Nunca tive dificuldade para optar por lado político, social ou ideológico. São sonhos, vontades e desejos que não se limitam a minha vida.

Um longo processo analítico tem trazido a possibilidade de identificar as minhas vontades pessoais e a coragem de assumi-las.

Estive por muito tempo sentada em um trampolim, molhando os pés na água sem mergulhar de corpo inteiro. Por vezes, cheguei a levantar, tomar impulso para saltar e mergulhar de cabeça. Não tive coragem. Voltei a sentar na ponta, me esquivando para deixar espaço para quem não tinha medo de se jogar.

Nos últimos quinze dias meu processo interno acelerou-se. Criei, sem perceber, a modalidade de autógrafo de autoajuda, ao autor, não ao leitor. Em diversas dedicatórias do livro Ecos e Sussurros usei a expressão “libertar amarras”. Na repetição, deparei-me com as minhas. Em meio à crise de ansiedade, enfrentei na terapia monstros ocultos, nunca verbalizados, mas terrivelmente perniciosos. Precisei me desmontar para enxergar a força devastadora deles.

Não travei na escrita. Escolhi me permitir ouvir meus próprios ecos e sussurros. Não organizei gavetas nem faxinei a casa. Não lavei pilhas de alfaces nem cumpri com todas as obrigações a que me imponho. Escutei as minhas vontades e as segui, em vez de apenas obedecer às regras que estabeleço para mim.

Talvez eu não publique mais em todas as quartas-feiras e domingos. Pode ser que publique mais ou menos. Seguirei minha vontade, não o calendário. Mas escreverei. É prazer, é desejo, é necessidade, é possibilidade de mais vida. É pura vontade.

Na sociedade há muitos gritos, ruídos, silêncios. Jamais serei surda a eles, porém não os usarei para abafar meus gritos, ruídos e silêncios.

Libertar-se da perversa definição de egoísmo é a forma mais autêntica de nos importarmos com o outro, e consigo próprio.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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