Maria Avelina Fuhro Gastal
Para quem é mais jovem pode parecer bobagem, mas fico impressionada com a agilidade das crianças pequenas ao usar o dedo indicador para deslizar telas de tablets e celulares. Minha infância foi nos anos sessenta. O indicador era usado para cutucar o nariz, coçar o umbigo e para tentar furar o olho do meu irmão. No aparelho de televisão usávamos a mão fechada e dávamos socos para ajudar a válvula a funcionar.
Sei que é conversa de velha, mas as coisas mudaram muito rápido e tivemos que correr atrás para nos adaptar. Do telefone de disco, primeiro uso mais elaborado do indicador, para o celular sensível ao toque, com mãos treinadas para socar; das cartas às mensagens de whatsapp, em que, quando estou digitando a resposta à primeira mensagem, já entraram mais quinhentas, passamos a nossa vida adulta tentando não ficar para trás.
Também fui alfabetizada, e segui ao longo de toda a escola, sob regras rígidas de gramática em que a concordância no plural era sempre no masculino. A luta feminista questionou essa regra. Passei a usar a alternativa de incluir as duas possibilidades ao texto: amigos e amigas, por exemplo.
No sábado passado recebi por whatsapp um artigo de Arthur Pazin, publicado na sessão Comportamento do Diário da Região, em setembro de 2020, sobre o uso de pronomes neutros para promover diversidade. Confesso que me deu um nó.
No artigo citado há uma lista dos pronomes neutros mais usados. Vou me ater às palavras “todos” e “todas” e “nosso” e “nossa”. Para os casos em que a pessoa não se identifique com o gênero masculino ou feminino a sugestão é o uso das seguintes possibilidades: “todxs”, “tod@s”, “tods”. As duas primeiras não sei como seriam pronunciadas, a última me soa estranha, faz com que eu me lembre do Mussum. Pode ser que seja apenas uma questão de me acostumar. Ou de evoluir. Com relação ao “nosso, nossa”, a sugestão é o uso de “nosses”. Minha confusão aumentou. Aprendi que o final “e” é comum a dois gêneros, masculino e feminino. Onde estaria a representação da diversidade?
De qualquer forma, essa discussão traz à luz uma tensão inerente à sociedade. Não é apenas na gramática que o masculino se impõe e que a diversidade é negada.
Desconhecemos direitos civis igualitários a qualquer gênero. Assistimos à tentativa de qualificação de estupro culposo, ouvimos discursos homofóbicos, orientações sexuais diversas são condenadas, pessoas segregadas, agredidas, assassinadas em nome da preservação da tradicional família, mesmo que nela haja abusos e violência.
Minha geração também usou o dedo indicador para apontar, ridicularizar e julgar aqueles que eram diferentes de nós. Aceitamos piadas machistas, homofóbicas, racistas. Por sorte, os que vieram depois de nós, questionam essas atitudes e nos fazem enxergar nossa omissão e consequente perpetuação de absurdos inaceitáveis.
Não importa se estou confusa, nem como será resolvida a questão da diversidade na comunicação. O importante é o desacomodar, trazer à discussão temas até então calados.
Se o uso ágil do dedo indicador pelas crianças denota evolução da espécie, tenhamos esperança de que haja também evolução nos costumes e comportamentos. Enquanto tiver fôlego, corro atrás.
Crônica publicada no Matinal, edição do dia 11/11/2020
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