Aguenta coração


Maria Avelina Fuhro Gastal

Da janela, vi as árvores se desnudando, o sol se esgueirando entre frestas esquecidas por um ano. Não pisei em tapetes de folhas mortas nem recolhi qualquer folha de plátano das calçadas.

Os dias foram ficando mais curtos, embora o tempo permanecesse infindável nas semanas sempre tão iguais. Não acendi o fogo na lareira, não preparei chocolate quente para filhos e amigos, não convidei ninguém para um sopão, não cozinhei feijoada para a família. Minhas mãos não arroxaram nas ruas nem meu corpo se encolheu para enfrentar as esquinas.

Agora, o sol já se exibe com mais brilho, invade minha casa. Os pássaros saúdam a claridade, buscam companhia, projetando nova ninhada. As ruas despem-se do cinza e acolhem uma cartela de cores. O vento varre as folhas que ainda jazem no chão, ao mesmo tempo que transporta sementes para novos coloridos em parques e jardins.

O ciclo das estações não parou. A vida se manteve. Nós é que saímos dela. Projetamos para a chegada do calor a possibilidade de nos encontrarmos com família, amigos e natureza. Sentir abraços. Receber o sol na pele. Aquecermo-nos depois de tantas ausências. Por enquanto, desejo, sonho, nenhuma certeza.

Vamos vivendo de esperanças, saudades. Carregamos medos e inseguranças.

O que não vivemos ao longo de seis meses não deixou de existir. O país arde, engolindo plantas, animais, pessoas. Afunda-se em desigualdades, é projetado em mentiras, desdenhando de panelas vazias e de uma pandemia que segue livre para contaminar, destruir, matar.

Mas, ainda assim, é primavera. A vida floresce, os pássaros cantam, os dias se iluminam, o ciclo se renova. Que a natureza nos sirva de inspiração para não desistirmos. Se só a janela é a nós garantida, façamos dela nosso bunker de proteção. A máscara que esconde o sorriso, é o escudo para afastar o inimigo. O álcool que resseca as mãos é a garantia da morte daquilo que pode nos matar.

Quando tudo parece tão cansativo, duro, interminável, resistir é ato de rebeldia. O mundo não muda por desistências, as transformações se dão no movimento, na força encontrada para avançar.

Cento e oitenta dias é muito, mas se chegamos até aqui, conseguiremos ir adiante. Às vezes cansados, em outras desesperançados, em muitas indignados, mas nunca derrotados. Sejamos tão persistentes quanto a natureza, que, apesar de nós, sobrevive. Se não por resiliência, por pura teimosia ou vingança. Não vamos dar a quem não merece o prazer pela nossa derrota.

Mesmo que entristecidos, com lágrimas contidas ou extravasadas em um choro tão vazio e repleto de todos e de tudo ao mesmo tempo, não vamos nos acinzentar, ressecar. Projetemos na possibilidade do reencontro, do aconchego, da proximidade, das descobertas e das novidades a força que manterá algum colorido nas nossas vidas.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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