Maria Avelina Fuhro Gastal
Elegi o domingo como o meu dia negacionista da semana. Sem notícias, sem pensar, sem me irritar com postagens. Zen, em contraposição aos sem paciência, sem saco, sem esperança a curto prazo.
Pode parecer estranho escrever algo com o título intrusos em um domingo, então. Mas não. Intrusos são do cotidiano. Existem desde a época em que a Terra era redonda, em que as universidades não eram campus de cultivo de maconha, em que a vida acontecia nas ruas, e existirá após a descoberta da vacina para a Covid e, até mesmo, por mais inacreditável que pareça, após nos ser respondido porque o Queiroz depositou 89mil na conta da Michele B.
Intrusos nos dão uma certa perspectiva de normalidade. Toda vez que toca o telefone fixo, sei que há vida lá fora com o reiterado interesse de me convencer de que algo que é ótimo para eles está sendo oferecido porque é muito melhor para mim.
Quem nunca conviveu com um terceiro que não se toca do clima que existe e teima em permanecer conversando com os amigos que não vêm a hora de ficar a dois? Ou com uma visita que só na saideira consome eternos minutos, enquanto você morde as bochechas para segurar o bocejo?
O intruso tem uma frase lapidar: “Se eu fosse você”. Não somos ninguém além de nós mesmos. Então, seja você e guarde sua opinião para quando eu pedir e me ajude a pensar em vez de se colocar como protagonista de algo que não lhe pertence.
As redes sociais são o habitat natural deles. Querem ser amigos de quem nunca viram na vida, dão pitaco nas suas publicações de forma agressiva. Ignoram que há divergências de posições e isso é democrático. Publiquem o que pensam nas suas páginas. Posso rir, ficar abismada, horrorizada, decepcionada, mas respeitarei a linha que não é minha. Ali sou intrusa, invasiva. Respeito ao espaço alheio vai além do metro quadrado que cada um ocupa.
E os do pensamento? Sem cerimônia ou licença teimam voltar em lembranças, saudades, mágoas. Trazem junto uma certa tristeza, muitos arrependimentos e uma certeza de tempo perdido que permanece.
Há os que não vêm em palavras, mas em sons. Zumbido de mosquito quando você apaga a luz para dormir, sertanejo universitário em volume máximo em uma casa próxima a sua, buzina em engarrafamento que só serve para aumentar o stress pois nem você nem quem buzina vai andar um milímetro sequer movido pelo barulho.
Outros, em sabores. Sagu embaixo do creme de baunilha, cravo na ambrosia ou em qualquer sobremesa, berinjela na lasanha, molho vermelho na massa, na lasanha, na carne, no frango. Molho vermelho no meu prato.
Meu pior intruso está em mim. Imperceptível, a maior parte do tempo, quando se mostra é sempre de uma forma devastadora. Por alto, percebe-se um pequeno desvio à direita, o que talvez explique o estrago que causa, além de uma insistência em repetir o erro. Três vezes na mesma cadeira. Das duas primeiras restou quebrado, da terceira, com o ligamento rompido e uma dor constante por um ano, sem alternativas para aliviar já que ele faz parte de mim e tem que me acompanhar onde eu for.
Se pensaram que a intrusa é a cadeira, já alterei o ângulo de sua posição no quarto para evitar confrontos. Mas a tendência à direita faz com que ele procure onde bater, mesmo em um ambiente organizado. Parece não ter noção da sua estupidez e insiste em ignorar as consequências de sua teimosia e limitação.
Nossa relação está muito abalada, não há confiança. Fico o tempo todo atenta a ele que não mostra desconfiar do risco que corre. Se insistir em tentar me conduzir para a direita, não terei opção. Corto fora o mindinho. Do pé direito.
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