Maria Avelina Fuhro Gastal
Falta a pilha de pratos na pia, as almofadas desalinhadas, os envelopes das fotos esculhambados. Tudo vazio, organizado, silencioso há tempo demais.
Já não moro mais na minha casa. Com a ausência de todos, moro muito mais em mim do que nela. Revisito encontros, brincadeiras, conversas, conflitos.
Percebo que nunca alguém que eu não quisesse estar perto veio à minha casa. Sozinhos ou em grupos sempre estive com quem queria aqui. Hoje, um hoje que já tem cinco meses e meio, não adianta querer. Nossa vontade deu lugar à distância entre nós. Cuidar é ficar longe, suportar a ausência em nome da vida.
A mesa de apoio da churrasqueira virou suporte da mata atlântica, a lareira permanece apagada. Fogo é aconchego. Sozinha, me enrolo em mantas, tomo chá quente, uso pantufas e visto uma pilha de casacos descombinados.
Morando em mim descubro que eu e a casa dividimos uma caixa de memórias e segredos. Ela testemunha preparativos, expectativas cada vez que abro a sua porta para que alguém entre. E cala toda vez que a porta é fechada depois que partem.
Nós as duas não nos bastamos. Somos cúmplices, mas não o suficiente uma para a outra. Ela tem espaço para muitos, eu também. Os vazios pesam. Ela me consola ofertando sol ao longo do dia, espaços que me aninham para ler, para escrever, para apenas lembrar.
Tenho mostrado a ela o quanto quero deixar de sermos só nós. Repenso espaços, imagino alterações. Ela aceita a possibilidade de se ver vestida com móveis mais claros. Compactua para que os tempos sombrios fiquem para trás, junto com os cupins que debocham de nós deixando rastros.
Ontem, encomendei cem pares de propés. Não quero que ninguém se sinta obrigado a tirar os sapatos, enquanto ela não quer que venha nas solas o mundo ameaçador e sujo. Esse foi meu momento de esperança. Não quero perder por um minuto a possibilidade de ter as pessoas de volta aqui. Os que sempre vieram e todos aqueles que serão convidados a vir. Estarei preparada para abrir a casa, retomar a vida e voltar a pensar no que servir, o que comprar, a ouvir a reclamação sobre bebidas nunca geladas o suficiente.
Não vejo a hora de ouvir vozes, risadas, confissões que só a presença de outros pode trazer.
Na minha open house é só chegar. E que possam chegar logo.
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