Maria Avelina Fuhro Gastal
Cinco minutos de soneca, sair sem guarda-chuva em um dia cinza, usar salto fino em uma garden party, estudar para a prova na véspera, com certeza, fará com que você se atrase, tome banho de chuva, ainda mais se morar em Porto Alegre, onde céu com nuvens pode ser sinal de chuva, de sol, de frio e de calor, tudo no mesmo dia, quando não ao mesmo tempo, fique atolada na grama com um caminhar desengonçado muito distante da expectativa na escolha do sapato e com que durma pouco e se rale na prova com estilo e olheiras. Tudo isso são obviedades.
Outras são mais complexas. Insistir em uma relação que só dá dor de cabeça, insônia e baixa autoestima, guardar roupas que não servem mais na esperança de perder peso, planejar viagens, compras, prazeres somente para quando tiver dinheiro sobrando. Para todos pode ser óbvio que você está perdendo tempo e oportunidades usando desculpas para a sua incapacidade de aproveitar a vida, enquanto você se acredita prudente e esperançoso.
Há frases que repetimos e ouvimos ocultando o óbvio: vamos marcar algo, deixa aí que eu lavo depois, amanhã eu faço, agora vai ser diferente, juro que vou mudar, isto não vai mais acontecer. Outras, precedidas do advérbio só, não deveriam convencer ninguém, mas fazemos de conta acreditar: só, um pouquinho, uns minutinhos, um pedacinho, a pontinha, uma dose a mais, uma amiga, um amigo.
Incorporamos as obviedades às nossas vidas por preguiça, desesperança, covardia, medo, burrice, acomodação, esperança, arrogância, descrença no diferente, necessidade de manter-se no papel de vítima ou de manter aparências ou situações.
Nada mais óbvio nos últimos dias do que a defesa da taxação do livro. O que esperar de um governo que corta verbas de universidades, acredita em plantações de maconha com uso liberado em cada Campus, ignora a ciência, que pensa que estratégia militar combate pandemia? Livro é para elite. O que não está dito é que deve se manter nesse lugar. Reduz-se o acesso a ele para garantir a ampliação dos privilégios de poucos. É óbvio que a cultura, a leitura, a arte, o conhecimento são nocivos à permanência de obtusos no poder. Então, usemos o discurso de um falso ataque ao privilégio de uma elite para manter intactos todos os outros que lhes são caros.
Vemos a expressão do desejo daqueles que optaram por um discurso homofóbico, fascista, misógino, racista, reacionário, elitista avançando seus tentáculos e sufocando minorias, ampliando desigualdades, construindo o país de escárnio mundial.
A obviedade que me dói é a de que nada foi omitido ou negado para chegar ao poder. A escolha foi consciente. Seria tão óbvia essa forma de enxergar o outro, só mascarada por covardia? Encontrada uma voz, não titubeou em ampliá-la.
Ignorei sinais por afeto, calei palavras para evitar rompimentos. Nas relações amorosas, afetivas, pessoais, de trabalho, na política reconhecer obviedades e enfrentá-las é um desafio e, às vezes, optamos pelo autoengano. O preço é alto. Já estamos pagando a conta. Muitos com a vida, tantos outros com a fome, a miséria, a desesperança.
Haverá um fim próximo? Não me parece óbvio.
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