Vó Pequena


Maria Avelina Fuhro Gastal

Quando nasci minha avó materna tinha cinco anos a menos do que tenho agora. E eu sempre a vi como uma velhinha. Com exato metro e meio de altura, cabelos grisalhos, azulados por uma rinsagem, chemisier de cor sóbria, bolsa enfiada no antebraço, sapatos de saltos grossos, mãos cruzadas à frente e os polegares girando em torno de si mesmos, ora para cá, ora para lá, fazem para mim o retrato da Vó Pequena. Junte a isso um jeito de sempre te fazer bem-vindo e te sentir amado. Quem não amaria para sempre uma avó assim?

Na minha história como mãe, vivi com ela dois momentos inesquecíveis. Quando engravidei a primeira vez, antes de me casar, o que apesar de comum era ainda escandaloso, evitava de atender o telefone em casa para não ter que falar com a minha vó. Vergonha, medo, culpa? Ela deve ter percebido, pois me enviou uma carta dizendo o quanto estava feliz por ter a chance de ainda conhecer o primeiro bisneto. Nenhuma crítica, nenhum sermão, nada de indiferença. Talvez tenha sido um choque para ela, mas encontrou um jeito de me dar o apoio e o afeto que eu tanto precisava naquele momento. Oito anos depois, quando tive minha segunda filha, a primeira bisneta dela, uma hemorragia intensa me colocou em repouso. Minha mãe estava cuidando do meu irmão que tinha uma doença séria e incapacitante. Minha vó, com oitenta e quatro anos, acompanhada das minhas tias, se ocupou de mim e dos meus filhos. Só por ela eu comi os bifes de fígado diários, por sorte acompanhados do feijão que até hoje não provei outro igual.

Acima de tudo, minha vó respeitava a todos. Nunca a ouvi falar mal dos jovens ou da mudança de costumes. Claro que, às vezes, um ranço ou preconceito escapava na escolha das palavras, mas não traziam ódio ou rancor. Nada de no meu tempo não era assim. Penso que o tempo dela era o tempo de estar viva, negociando sempre, como ela mesma contava, um tiquito a mais, primeiro para ver as filhas crescidas, depois casadas, os netos, os quinze anos das netas, a formatura dos netos, o casamento deles, os bisnetos. Mesmo tendo subvertido a sequência, gravidez, casamento, formatura, ela esteve comigo em todos esses momentos com um sorriso nos olhos e sou muito grata por isso.

Daqui a cinquenta anos espero que a Alice lembre de mim com a mesma ternura que lembro da Vó Pequena. Com um pouco mais de um metro e sessenta, entre livros e saladas, tênis, dançando zumba, viajando por aí, brincando de ballet, de escolinha, de mamãe, curtindo cinema e lanchinhos, mas ainda, para ela, uma velhinha. Uma velhinha respeitosa, que tenta acompanhar tudo o que muda para se manter viva enquanto houver vida.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 275876

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose