Ineficácia dos números


Maria Avelina Fuhro Gastal

Distância não se mede em números. Estabelecemos medidas apenas para não correr o risco de ficar sem combustível no meio do nada ou em pleno voo. De resto, qualquer quantidade é relativa. Não depende de metros ou quilômetros. A medida se dá pelo nosso interesse, vontade, realidade ou desejo.

Canoas me parece mais distante do que Gramado, da mesma forma Uruguaiana e Paris ou Aceguá e Nova York. Concorrência desleal, comparação entre desiguais. Pode ser. Tentando ser mais justa, pense em mar, sol, calor, música pelas ruas, ainda assim, Cuba é mais próxima do que Salvador.

Em Porto Alegre, minha noção de perto se estende da Pedra Redonda ao Iguatemi. Uma quadra a mais e já penso dez vezes antes de ir. Longe pra caramba. Mas se o convite for para ir além dos limites da cidade, faço a mala e vou. Desde que não seja para Canoas. Se vamos até ali, para a serra é um pulinho.

Qual a distância entre o bairro Petrópolis e a Vila Bom Jesus ou entre o bairro Menino Deus e a Vila Restinga? Quilômetros não servem para medir essa distância. Não é nesse parâmetro que ela se estabelece.

Há duas semanas, travei as costas. Com muita dor em qualquer movimento. De sexta à terça-feira o espaço entre a ponta dos meus dedos das mãos e o piso da minha casa equivalia à distância entre a Terra e Lua (medida considerando a Terra redonda). Tudo que caiu no chão naqueles dias, lá ficou. Inalcançável. No mesmo período, poderia se chegar à China, descansar da viagem, começar o processo de adaptação ao fuso horário (de novo, considerando a Terra redonda) e apreciar o novo. Eu só percebia a impossibilidade de recolher do piso a tampa da garrafa que escapou da minha mão.

Léguas, quilômetros, anos-luz não impedem nossos sonhos. Desigualdade e injustiça social nem dão espaço para sonhos. Números nada medem. Eles ignoram sentimentos e realidades.

Nossa distância segura agora é de um a dois metros. Um dos sofás da minha casa tem 1,90m de braço a braço. Para a segurança máxima faltam dez centímetros, a terça parte de uma régua escolar padrão.

O equivalente a uma fita métrica, que pode ser enrolada, bem apertada e guardada em qualquer minúsculo espaço na gaveta, ganha o tamanho da imensidão. Impede o abraço, o aconchego, o toque, o beijo estalado.

Irremediavelmente distantes, de máscaras, resta aos olhos aprender a sorrir, a acariciar e perceber o afeto transmitido. Um aprendizado e tanto. Ainda mais desafiante se você usar óculos que embaçam o tempo todo com a máscara.

Que tempos.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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