Similitudes


Maria Avelina Fuhro Gastal

Há décadas, quando eu era jovem, tinha fôlego e coluna, mas pouquíssimo dinheiro, fui de Porto Alegre a Fortaleza de ônibus. Em excursão, conhecendo diversas capitais, cidades históricas, vilarejos do sertão, passei muito perrengue, tomei um porre em Paulo Afonso (fazer o quê lá aos 17 anos?), comi bife de jegue (agh), mas, também, vi coisas belíssimas.

Em um trecho da estrada no Espírito Santo, rumo a Guarapari ou Vitória, não lembro, visualizei uma pedra enorme que parecia o perfil de uma freira e um padre. O que estariam fazendo frente a frente dá assunto para uma outra crônica.

Parecia ser uma freira e um padre, mas não era.

Vivemos cercados por coisas que se parecem. Situações, pessoas, lugares, canções nos remetem a outras situações, pessoas, lugares, canções semelhantes.

Semelhança não é igualdade, nem cópia. As particularidades se mantêm, as diferenças existem, mas, mesmo assim, exclamamos: Parece....

Desde ontem, depois de assistir, pela primeira vez ao vivo, a um Stand up comedy, me peguei pensando no quanto ele e a crônica se parecem.

Ambos trazem aspectos cotidianos, banais, vivências, experiências comuns a quase todos e os transformam em matéria de riso. É a potência máxima do rir de si próprio ou da desgraça alheia. Utilizam-se de uma linguagem rápida, mantendo a ação e a expectativa em tensão.

A crônica, quando não busca o humor, se parece mais com um monólogo. Cria espaço de reflexão, de crítica, de acolhimento às dores universais preservando a dor pessoal da vivência.

Acredito que no Stand up não haja espaço para a melancolia nem para a revolta com a realidade. Elas precisam estar envoltas em situações que nos alivie da angústia e nos faça, se não for possível gargalhar, pelo menos sorrir. Será que também não é uma forma consistente de denúncia?

Mesmo se parecendo em alguns pontos, são completamente diferentes. No Stand up a resposta ao texto se dá no exato momento em que ele é dito; na crônica não sabemos a reação do leitor. O Stand up provoca uma reação coletiva da plateia, a reação à crônica é íntima e reservada.

Nos dois, o comediante e o cronista são personas que dão voz a um texto, muitas vezes se vendo envolvidos na crença de que tudo que trazem correspondem ao que são como pessoas. Há uma certa dificuldade em perceber o espaço de ficção nas duas formas. Ambas parecem a realidade. Parecem, mas nem sempre o são.

Para mim seria impossível sustentar uma apresentação de Stand up. Reconheço o trabalho árduo e extenuante que deve ser a criação de um texto, encontrar a voz e os trejeitos que o aproxime do público, manter a rotação ao longo do espetáculo. A vantagem é que, depois de tudo acertado, o texto pode ser repetido por inúmeras vezes.

Escrever uma crônica boa também é desafiante. E por melhor que ela seja, você não pode republicá-la inúmeras vezes. Há sempre a necessidade do novo, de outro assunto, de outra abordagem.

Pela minha experiência, crônica também se parece com arroz. Todo mundo acha que é fácil de fazer, indica receitas infalíveis, acredita que qualquer um é capaz de escrever uma crônica ou fazer arroz. Só posso afirmar que mesmo seguindo todas as regras das receitas, o arroz ainda pode acabar empapado ou duro. A crônica também.



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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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