Maria Avelina Fuhro Gastal
Setembro e outubro sempre foram, para mim, meses de leveza.
Temperatura amena, sem risco de congelar de frio ou derreter de calor, céu azul, sol brilhando sem torrar, árvores e flores renascendo, praças repletas de crianças, luz do dia por mais tempo, estrelas brilhando à noite. Quase um período de festa, sem as cobranças de dezembro nem as expectativas de janeiro. São meses de convite para simplesmente viver.
Não encontrei setembro ainda e temo por outubro.
Perdemos o ano de 2020, o mês de maio de 2024, e corremos o risco de perder a primavera e ingressar direto em um verão seco e escaldante. Foram-se vidas, sonhos, esperanças, empregos, memórias, lares. Vão-se áreas irrecuperáveis de florestas, matas, biomas, calcinando solo, vegetação, animais.
Distopia já pode ser chamada de realidade. País em chamas, coberto por fumaça tóxica que esconde céu, sol, tornado nossos dias cinzas irrespiráveis.
Sufocamos em nossa melhor roupa, fotografamos a devastação com nossos celulares de última geração, cerramos as janelas de nossas SUVs, ligamos o ar-condicionado e planejamos futuras aquisições. Sonhar é humano e, afinal, não temos nada a ver com a insustentabilidade à vida que assola o mundo.
A boiada passou. O gado que marcha obediente para o matadouro, somos nós. Junto conosco aqueles que nos guiam, embora se pensem imortais. Por melhores e mais poderosos que se enxerguem, eles também precisam de oxigênio para viver. Tão ignorantes e ambiciosos, acreditam estar na riqueza material sua única possibilidade de importância. Desprezam a vida.
Nós também nos pensamos imortais. Contribuímos com todas as catástrofes consumindo o que não precisamos, negando a influência do nosso comportamento nas alterações climáticas, votando para levar ao Poder modelos que priorizam o mercado, mesmo que isso represente desmatamento, corte desenfreado de árvores, isolamento do solo por onde a água poderia ser drenada, ignorando estudos científicos que alertam sobre a proximidade de um ponto sem retorno.
Setembro pesou. Somou-se ao temor experimentado na pandemia, à aflição da enchente de maio.
Dias cinzas, cobertos de fumaça, impossibilidade de acreditar em um outubro ameno, medo de um futuro sem esperança.
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