Maria Avelina Fuhro Gastal
Por vezes, escrever é tão difícil.
Não que faltem assuntos. Não há dia em que um texto, ou fragmentos dele, não tome forma na minha cabeça. Seja uma imagem, uma palavra, uma frase, uma lembrança e inicio uma construção mental de uma crônica ou conto. Nos dias mais atrevidos, penso até no mote para uma novela. Uns ficam para depois, outros perdem a oportunidade e outros não passam de devaneios logo abandonados. Muitos tomaram forma e foram publicados na minha página.
Essa semana travei. Travei porque li. Li e me abati, sem conseguir definir, afinal, que raios faço escrevendo e publicando em redes sociais.
Terra Arrasada, Jonathan Crary, Editora Ubu, me arrasou. Apesar de destruída, não conseguia parar de ler. Nos parágrafos desfilavam a vida que julgamos não ter como ser diferente, enquanto nos mostrava que acreditar na imutabilidade é obedecer a interesses que estão acabando com a possibilidade de vida no planeta.
Depois da leitura do livro, qualquer escrita parecia inofensiva, desnecessária, obediente.
Do que adiantaria falar sobre os três meses que nos separam do terror da enchente? Qual a força de um texto para dar conta do trauma, da dor, do sofrimento, das perdas ainda vividas com tanta intensidade? Como enfrentar a coleção de posts no Instagram do pôr-do-sol do Guaíba em um início de agosto de céu claro, temperatura alta? O que dizer das fotos que mostram o Muro da Mauá iluminado, ostentando um Porto Alegre-se, ignorando que falta muito para que possamos nos alegrar. Há desabrigados, desaparecidos, desalojados, desempregados. Não são fotogênicos, estragariam a estética das redes sociais. Até mesmo os “sandbags”, provável inovação da South Summit Brazil, usados para deter as águas em comportas destroçadas, são ignorados nas postagens. Nas redes só vale o que é bonito, mesmo que mentira, ou aquilo que desperta ódio.
Não bastasse o livro, em julho, minha página teve 2354 acessos. Quando iniciei a publicar, em 2018, tive, naquele ano, 535 acessos. Talvez para algoritmos, editoras ou escritores profissionais 2354 acessos sejam nada. Para mim, foi assustador. Com certeza não são só amigos e familiares incentivando minha aventura tardia. São pessoas que eu não conheço e que não me conhecem, mas me leem. O que dizem meus textos a elas?
Critico, brinco, me posiciono, relembro, resgato, escrevo passeando pela existência, às vezes com esperança, às vezes com descrença. Não fujo do trivial nem deixo de encarar o inaceitável. Quem lê se diverte, questiona, reflete, se identifica, discorda, concorda? Lerá aquilo que escrevo ou, ao publicar, o texto já não me leva, encontra caminhos que ignoro?
Ainda em Terra Arrasada, fica claro que a maior arma é imaginarmos tudo aquilo que dizem não ser possível. Escrever é minha possibilidade de imaginar, minha desobediência ao esperado.
Paraliso, me assusto, sofro. Imagino saídas Parar de escrever não é uma delas, mesmo sem conseguir definir para quê.
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