Que noite!


Maria Avelina Fuhro Gastal

A quinta-feira começou como todos os outros dias desta quarentena sem fim.

Dormir tarde e acordar cedo só me faz ter que buscar mais pelo o que fazer para driblar as horas e burlar a mesmice. Repito rotinas. Café, atividade física, limpeza e organização da casa, lavagem de roupas, de alfaces (sempre elas), pensar no almoço, na vida lá fora, no tempo aqui dentro, ler ao sol para salvar algum resquício de vitamina D no meu corpo, cozinhar, tomar banho, almoçar, limpar a cozinha, escrever, ler, estudar, mais atividade física, banho, lanchar, ler, escrever, assistir algo na TV, deitar, ler, jogar no celular, dormir para acordar no outro dia que vai repetir o hoje, o ontem, o de antes de ontem, os de sempre desde a metade de março.

Não há expectativa de algo diferente, nem possibilidade do imprevisto. Estamos presos em um dia que já dura 2.304 horas.

Mas na quinta, quebrei a rotina. Mesmo sem ser sábado, troquei os lençóis da cama. Escolhi o jogo que mais gosto, faz conjunto com o cobre leito. Tem um toque macio. Nele me sinto aninhada. Estendi com toda a perfeição que me exijo, nenhuma ruga, nervura ou saliência nem desarmonia nas laterais. Borrifei com gotas de essência de laranja. Recoloquei cobertor e colcha leve. Organizei travesseiros e almofadas. Não era dia para tudo isso. Mas fiz. Sussurro do futuro?

Quando já nem pensava na troca dos lençóis como a única diferença no meu dia, tudo começou a mudar. Percebi que a minha noite não seria como todas as anteriores, na quarentena ou antes dela.

O futuro precisa gritar. Tem que lembrar que estamos presos, sem possibilidade de buscar o que fará diferença.

Sem lenha para a lareira, sem vinho, sem nada especial para cozinhar, mas feliz. A iniciativa foi minha e na hora certa.

No banho, o cuidado de escolher um hidratante que o perfume não conflitasse com a essência colocada nos lençóis. Os aromas encontraram-se com harmonia.

A primeira vez traz muitas expectativas, cada uma delas. Em toda minha vida só tive dois. Fui leal. Estiveram na minha vida por muito tempo. Até quando já nada funcionava direito. No último inverno, um vazio, um frio cortante.

Nesta quinta de noite fria, tudo suave, macio, aconchegante. Quente.

Hoje pela manhã quis agarrar-me nele aos beijos. Me contive. Seria exagero, já que paguei, e bem. A noite foi perfeita. Terei mais noites assim sempre que quiser. Ele é novo, é ótimo e é meu.

Em tempos de pandemia no inverno do sul, um lençol térmico foi o melhor presente que eu poderia ter me dado de aniversário. E hoje vou aumentar a temperatura dele.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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