Ustra e o silêncio


Maria Avelina Fuhro Gastal


Em 17 de abril de 2016, o ex-presidente (2019-2022), então deputado federal, votava SIM pelo impeachment da Presidenta Dilma Roussef, dedicando seu voto em homenagem ao coronel Ustra, “terror de Dilma”.

Em 23 de fevereiro de 2024, o mesmo ex-presidente, chega, por intimação, à sede da Polícia Federal como investigado por atos contra o Estado Democrático de Direito e usa do direito de permanecer em silêncio.

Não foi o único intimado, com antecedência, para depor naquela data. Todos tiveram a oportunidade de se fazerem acompanhados por seus advogados, chegaram, e saíram, à luz do dia, bem trajados, sem marcas de agressão, com ampla cobertura da imprensa.

Em um exercício desmedido, proponho imaginar que Ustra fosse o responsável pela investigação. Sei que é inimaginável pensar no ex-presidente e seus comparsas em campo oposto ao Ustra, ou pensar no coronel investigando atos contra o Estado Democrático de Direito, mas vivemos em um país que já nos provou que o absurdo é real, então, dê crédito à ficção e pense nessa possibilidade.

Ninguém teria sido intimado, seriam levados para interrogatório. Retirados de suas casas, de seus escritórios, de suas vidas sem aviso prévio, sem direito a advogado. Poderiam estar de ternos, roupa esporte, pijamas, bermudas e camiseta, não importa, nenhuma das vestimentas restaria inteira.

Não seriam conduzidos, mas atirados em uma sala, sem nenhum conforto, mas com todos os equipamentos para causar não só desconforto, mas, principalmente, dor.

O silêncio seria confissão de culpa, motivo para endurecer no interrogatório. Cadeira, só a do “Dragão”, que seria usada depois do Pau-de-Arara, associado ao afogamento, Pimentinha e choques elétricos. Como descanso, a Geladeira e, assim, garantir que ninguém se mantivesse em silêncio.

No grupo de intimados para depor no dia 23 de fevereiro, duvido haver alguém com hombridade e fibra para calar-se depois do tratamento recebido. Talvez confessassem até quem mandou matar Marielle.

Não deixa de ser surreal ver o mesmo grupo que se articulou para dar um golpe na Democracia, que esbraveja contra o STF, que persegue adversários, que não reconhece a diversidade étnica, de gênero, de classes, usar todos os recursos disponíveis na nossa legislação para a sua defesa. E estão certos.

Os equivocados são aqueles que não enxergam que a ameaça ao Estado Democrático de Direito, laico e plural, é uma ameaça a todos nós.

Eles saíram dos depoimentos ilesos, estão nas suas casas com suas famílias, acompanham as investigações. Se denunciados, e aceita a denúncia, terão direito à ampla defesa. Não estarão jogados em cova coletiva, desaparecidos ou “suicidados” nas salas de interrogatórios.

E nós, sem um Estado Democrático de Direito, teremos a mesma garantia?

Hoje, seria mais adequado, o ex-presidente, se fosse minimamente humano, homenagear ao Xandão.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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