Silêncio doloso


Maria Avelina Fuhro Gastal

George Floyd foi assassinado. Executado em via pública por membros da polícia de Minneapolis. Oito minutos e quarenta e seis segundos de morte por asfixia, na rua, sendo filmada.

Há dez dias acompanhamos as manifestações antirracistas nos Estados Unidos e em alguns outros países. Assistimos chocados, sensibilizados. E trocamos de canal.

João Pedro, Herinaldo, Alan, Douglas, Lucas, Amarildo, Carlos, Evenson, Thiago, Carlos Alberto, Lucas, Matheus, Dyogo, Gabriel, Henrico também foram assassinados por membros da polícia. Aqui no Brasil. Sem explicação, sem cenas gravadas, sem protestos. E não foram só eles. Meninos, meninas, jovens, adultos, homens e mulheres são assassinados em ações policiais no país há séculos.

Aqui mantemos um silêncio doloso sobre essas mortes. Caem na vala comum da barbárie. Por serem negros, pobres, calamos. E alardeamos não sermos racistas. Não sabemos o que é ser uma pessoa negra no nosso país.

Cultuamos o negro como sambista, jogador de futebol, cozinheira, quituteira. Fazemos dele nossa diversão e prazer. Da mulher negra enfatizamos o gingado, as cadeiras, a cor do pecado. Transformamo-las em atrativo sexual para gozo e descarte.

Só rompemos o silêncio quando deveríamos mantê-lo como respeito. Discursamos contra sistema de cotas, valorizando a luta individual de alguns poucos que ainda encontram energia para avançar, em vez de assumirmos nossa responsabilidade social pelo resgate de uma dívida que nunca quitamos.

Rompemos, também, quando revidamos aos relatos de racismo com menosprezo ou qualificando-os como exagero ou ranço cultural.

Silêncio respeitoso destrói o silêncio culposo. No primeiro enxergamos o outro, reconhecemos a desigualdade de tratamento, de oportunidades. Não rebatemos a dor do outro. Jamais vivemos a experiência de sermos julgados pela cor da nossa pele. Não sabemos o que é descender de escravizados. No silêncio doloso escondemos nossa porção escravocrata e assumimos uma conduta na qual está contida nossa crença de que se foram mortos, e eram negros, alguma culpa tinham.

Não é a pandemia que nos impede de protestar. Se temêssemos a COVID-19, o Parcão e a orla do Guaíba não estariam lotados nos finais de semana.

As mortes de pessoas negras pela polícia é nossa epidemia. Convivemos com ela. Nossos anticorpos são a cor da pele e nossa classe social.

Vidas negras não importam.

Vida nenhuma importa, a menos que seja a daqueles iguais a nós.

A polícia puxa o gatilho. Nós somos cúmplices. Algozes.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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