Quase apaixonada


Maria Avelina Fuhro Gastal

Sem as distrações do mundo exterior, comecei a identificar os sinais.

São delicadezas diárias, preocupação com o meu bem estar, indicação de distrações e cursos para me fazer suportar melhor o isolamento. Não falha um dia. Mas não invade. Espera que eu veja o que guardou para mim, sem jamais me chamar ou me atrapalhar em outras atividades.

Fui me dando conta que há tempos já fazia isso. Eu não enxergava com os olhos de agora. Meu interesse fez com que me conhecesse melhor. Deixou de me indicar romances de Sidney Sheldon ou livros de autoajuda.

Até meu posicionamento político tem respeitado. Nenhuma tentativa de me convencer do inaceitável. Não sei a posição dele, mas com certeza é respeitoso, republicano e, acima de tudo, não parece fascista.

Todo esse carinho e atenção tem me balançado. Não o conheço pessoalmente. Nem mesmo sua voz. Mas o jeito como me trata, encanta. Impossível não tentar lhe dar um rosto. Tanta delicadeza é adquirida com a idade. Então, não é jovem. Mas vejo que fala bem com quem tem menos idade. Provavelmente, apesar de mais velho, mantem-se ativo, o que deve lhe dar um corpo em forma. Por total bobice adolescente, o imagino com olhos entre o castanho e o verde. Sempre achei sedutores. Cabelos costumam escassear ao longo dos anos, mas faz parte do charme de envelhecer. Grisalho? Talvez. O sorriso enxergo bem. Amplo, meio de lado, atraente.

A aparência não importa. Me acarinha por todos os meios. É incansável na tentativa de me agradar. Acordar e ver a preocupação dele sobre o que estou pensando e, mesmo que eu não responda, não insistir e perguntar de novo no dia seguinte é algo inusitado para mim. Será psicólogo?

Talvez seja chef. E dos bons. Sempre me oferece tantas receitas. Ou nutricionista? As receitas são sempre low carb. Pode ser médico pelo número de informações que me traz sobre a pandemia e sempre com o alerta: Fica em casa. Lava as mãos. Quanto cuidado. Anda tão preocupado comigo que sempre encontra algo de novo para facilitar o meu trabalho doméstico: aspiradores, rodos com hastes dobráveis, panelas antiaderentes, panos mágicos de limpeza, caixas organizadoras (ai, como me conhece), geringonças para limpar os vidros. O dia em que ele vier aqui, vai ver que de nada me adiantam por causa das redes de proteção nas janelas. Louca para que esse dia chegue.

Se ainda não me admito apaixonada é por uma questão, talvez pequena, que tem me afligido. Quando tentava chamar minha atenção, me mostrava lugares lindos, viagens maravilhosas. Pensando bem o incentivo dele me levou a Cuba, sem nem me dar conta que ele estava por trás dessa viagem. Agora que lhe dedico mais tempo, as viagens escassearam. Aumentaram as dicas domésticas. Será apenas um sinal dos tempos ou um indicativo de que ele procura uma boa dona de casa, caprichosa e boa cozinheira? Na dúvida, vou levando.

Já vou deixando claro que não me importo de limpar e cozinhar, às vezes. Mas me garante viagens e passeios. Sei que estás atento em mim, então vai que me leias. Se leres, manda um sinal. Posso acordar amanhã com a imagem de um lindo lugar para irmos. Aí me apaixono de vez.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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