Maria Avelina Fuhro Gastal
Por dezesseis anos, a janela do meu quarto se abria para a Praça Itália.
Sempre gostei da sensação de amplitude quando conseguia enxergar além da Praça, com meu olhar alcançando as árvores do Parque Marinha do Brasil ou os matizes do céu ao pôr do sol no Guaíba.
Não lembro quando deixei de enxergar a Praça.
Nosso olhar se acostuma com o que é belo e por momentos nos encantou. Deixamos de enxergar aquilo que nos conquistou e passamos a ver o que nos incomoda.
Há oito anos não tenho mais essa visão da janela do meu quarto, mas ainda circulo pela Praça com frequência. Faço dela um caminho e só. Precisei que uma foto no Facebook me relembrasse a beleza do lugar.
Não apenas lugares se incorporam a nossa rotina e deixamos de apreciar aquilo que uma vez se fez encantamento para nós.
Descartamos vitórias, conquistas, pessoas sem que lembremos do quanto já representaram em nossas vidas.
Aguçamos o olhar para os defeitos, para as manias e falhas. Alimentamos desgostos, mágoas e rancores. Amortecemos prazeres e afinidades.
Podemos descobrir novos encantamentos sem aniquilar os anteriores.
Nosso olhar reflete o que somos. Preservar o belo amplia nossa visão das possibilidades infinitas que nos circundam. Quanto menos enxergamos, mais amargos ficamos. Reclamamos de tudo, criticamos a todos. O mundo fica feio, as pessoas ameaçadoras e nos tornamos solitários, infelizes fazendo do nosso entorno um espaço de intolerância.
Hoje, a janela do meu quarto se abre para uma grande árvore. Nela, sabiás me despertam de madrugada quando está perto da primavera. No verão, ela garante sombra para que o forte sol não torne meu quarto um forno. No outono, ela se despe para reiniciar um novo ciclo. No inverno, seus galhos desnudos me permitem enxergar a lua.
Se não tenho mais a amplidão que a Praça me fornecia, tenho novas experiências. Cabe a mim valorizar o que enxergo e não me acostumar ao ponto de não mais ver.
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