Tristeza sem fim


Maria Avelina Fuhro Gastal

Não poder estar com meus filhos, abraçar minha neta, reunir toda a família na minha casa, sair com amigos, convidá-los para almoço, janta ou qualquer outra desculpa para recebê-los, visitar minhas tias no interior, não estar com quem eu amo não me deixa triste. Dá muitas saudades, com um aperto no peito, mas a certeza de que estamos distanciados pelo muito que nos importamos uns com os outros.

Não poder ir ao cinema, caminhar no parque, pelas ruas, fazer as unhas, pintar e cortar os cabelos, deitar na maca do massagista e relaxar, pegar o carro e sair por aí, viajar ou fazer minhas próprias compras não me entristece. Dá uma inquietação transformada em faxina, limpeza, dança.

Ficar triste é diferente. Senti tristeza muitas vezes na vida, quando rompi namoro, quando meu casamento terminou, quando perdi meu pai, minha avó, meu irmão e minha mãe, quando amigos perderam filhos, quando vi meus filhos tristes sem saber como ajudá-los. Fico triste quando não posso reverter; fico triste pelo incontrolável.

Hoje me percebi triste. Não uma tristeza repentina, mas acumulada, que se tornou palpável com as mortes de Aldir Blanc e Flávio Migliaccio. Não só porque me trouxeram lembranças daqueles que perdi para a vida ou para a morte, mas porque as letras das músicas de Aldir não se referem a uma história superada e a carta de suicídio de Migliaccio nos mostra o quanto nos tornamos piores.

Percebo que a tristeza vem em mim há tempos. Só não toma conta porque tenho em torno pessoas que fazem valer a pena lutar por uma vida melhor. Por vezes, pensei estar com raiva. Talvez fosse para não ter que lidar com a tristeza que se avoluma.

Hoje, resolvi nominar o sentimento e trazer à superfície os fatos que foram se acumulando. Fatos que não controlo, mas me doem. Dor pelo que perdemos, pelo o que nos tornamos, pelo o nosso silêncio, pelo rumo que seguimos, pela incerteza de nosso futuro, pelo assombro com a natureza humana. Em uma retrospectiva, tentei listar aquilo que foi criando em mim um compartimento para a tristeza, pois parece que não haverá fim tão logo.

- homenagem à Ustra na votação do impeachment da Dilma;
- desrespeito dos deputados ao Parlamento quando fazem de uma sessão de votação de impeachment um circo;
- manifestações de homofobia, misoginia, racismo com grande respaldo popular;
- desmonte da ciência, da arte, da cultura;
- banalização do sofrimento, da morte;
- agressão a profissionais da saúde, da imprensa;
- manifestações a favor do AI 5 e da tortura;
- desvalorização e desrespeito à velhice;
-discursos vazios enquanto a população carente, os indígenas estão desassistidos;
- desrespeito à Constituição nascida depois de um longo período de exceção;
- retrocesso histórico.

E, o mais entristecedor, ver o número de pessoas que concordam com tudo isso e se sentem no direito de extravasar o ódio, pois o respeito ao outro deixou de existir neste país.
Será que não tem fim?

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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