Constatações (e pirações) na quarentena 2


Maria Avelina Fuhro Gastal

No último sábado, briguei com a minha pulseira. Não com uma pulseira qualquer. Com a que se diz smart fit. Se ela se pensa inteligente, tenho todo o direito de cobrar o que promete. Mas não a vejo mais como smart.

Tudo começou quando acordei disposta a limpar a casa. Não uma geral qualquer, mas uma faxina clássica, sem rodo, de joelho mesmo, buscando cada cantinho embaixo de móveis, atrás de sofás e estantes, tirando todo a poeira que encontrasse. Escovando azulejos, box, piso da churrasqueira. Os vidros ficariam para uma próxima investida, e cozinha, área de serviço, dispensa e banheiro auxiliar para o próximo sábado.

Comecei às 8h30 da manhã, encerrei às 15h, sem intervalo para o almoço, só beliscando umas castanhas para manter o pique. Primeiro, varri toda a casa. Claro que fiz isso caminhando. Não conheço outra maneira. Livre da vassoura, ataquei os banheiros com escovão, escovinha e acessórios. Para atingir meus objetivos, fiz vários agachamentos e extensões prolongadas de braços. Troquei a água do balde umas três vezes em cada banheiro, ou seja, me desloquei até o tanque, caminhando. Nos banheiros, andei de joelhos. Após, pano úmido em todos os móveis, incluindo frisos, saliências, fundos, pés. Limpei enfeites e porta retratos (descobri que tenho demais). Lava o pano, volta, agacha, estica, levanta, tira, arrasta, recoloca, lava o pano, recomeça. Depois os quadros (demais também) e todas as lembranças de viagens espalhadas pela casa. Mania de não guardar só na memória. Idas e vindas ao tanque. Caminhando. Dos enfeites para o piso. Em cada peça várias trocas de água do balde. Funcionou, mais ou menos, assim: ajoelha, estica, arreda, levanta, caminha, troca a água, volta, ajoelha, estica, levanta, arreda, ajoelha, estica, caminha, troca a água, volta e começa tudo de novo. Três sofás arrastados, dez cadeiras avulsas, quatro mesinhas auxiliares, um aparador, tudo sem rodinha. Na churrasqueira, largo o pano, volto para o esfregão. Antes, removo trinta vasos (sim, trinta), quatro cadeiras, uma mesinha, e a mesa de apoio (benditas rodinhas). Escovo tudo. Passo o rodo, finalizo com o pano, recoloco os trinta vasos, as quatros cadeiras, a mesinha e a mesa de apoio com as benditas rodinhas. Juntei todos os sacos de lixo acumulados, desci pelas escadas, larguei no depósito do prédio, subi pelas escadas. Entrei em casa e dei por finalizada a faxina.

No final de tudo, a tal pulseira smart marcava 3982 passos, 894 kcal consumidos, 44 minutos de atividade a cada 60 minutos. Como assim? Qualquer atividade física que eu faça, e olha que faço muitas, mesmo na quarentena, apresenta números muito superiores a esses.

De smart não tem nada. Burra, elitista e preconceituosa. Andar de joelhos não conta passos? Faxinar não consome caloria? Ir e vir com balde não é uma atividade? E agachar, levantar, torcer, esfregar, arredar, esticar? Nenhuma das atividades físicas que faço me ocupa por quase sete horas. Nem me deixam tão cansada. Mas ela só considera o que é fashion ou metido à besta. Cross fit, jump, dance, pilates, alongamento, GAP, circuito, flexões, agachamento, step, elevações, combat ela reconhece como esforço e me parabeniza colocando os números lá em cima. Fiz tudo isso em forma de faxina. Trabalho árduo ela desconhece. Não tem o glamour de academia, training, personal, live.

No domingo me vinguei. Silenciei o alerta de estímulo à atividade. Não fiz droga nenhuma. Passei o dia escrevendo, lendo, vendo TV. Deitei sem dar boa noite a ela. Nem sei quais foram os números do dia. Deve ter sido um fracasso. Dela, porque eu estava muito bem. Da minha vida, cuido eu.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 249689

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose