Maria Avelina Fuhro Gastal
Ando tão à flor da pele, mas não é qualquer beijo de novela que me faz chorar.*
Choro por imagens, palavras, presenças, discursos.
Chorei ao ver o Brasil subindo a rampa para voltar a ser um país de todos.
Chorei ao ouvir duas mulheres, uma negra, outra indígena, assumindo Ministérios. Através delas, milhões tiveram voz. Uma voz firme, coerente e, ainda, terna. Vozes de ancestrais apagadas, ignoradas, desprezadas, assassinadas por uma sociedade que se vê branca, europeia, elitista.
Se não choro, me emociono ao ver Lula engasgando para falar da fome, da desigualdade. Gosto de quem não se esconde atrás do cargo ignorando que a sua frente estão vidas reais e não apenas um espectro que usufrui de dinheiro, de bens, de comida, de oportunidades que muitos jamais terão.
Se não choro, entristeço ao ver nossa memória sendo destruída, destroçada, ao ver as sedes dos poderes constituídos sendo invadidas em nome de um golpe contra a democracia, conquistada depois de tanto tempo de ditadura militar. Ditadura que perseguiu, torturou, matou brasileiros.
Moro bem, não tenho fome, tenho acesso à educação, saúde e cultura. Passeio, viajo, vou a shows, cinemas, compro livros, quadros, roupas, quinquilharias. Ser privilegiada não precisa fazer de mim uma idiota egoísta.
Não choro por quem vi se afastar de mim por razões políticas. Nunca foi por isso. Foi por desumanidade, mesmo. Foi por acreditar que a sua bolha tem mais direitos do que qualquer cidadão. Não compactuo. Não aceito. Não tolero.
Ainda assim, espero que tenha sobrado um pingo de humanidade e que tenha, ao menos, se chocado com as fotos do povo Yanomami. É um genocídio. Não faltaram solicitações de ajuda, houve a opção de ignorar, deixar com que morressem de fome. Chorei ao ver as fotos, ao ler sobre a situação, ao pensar que há entre nós quem não se importe.
Por quatro anos, não chorei. A raiva me sufocava as lágrimas. A desesperança engolia meu choro.
Hoje, choro. Choro em um misto de esperança e vergonha.
* Referência à canção Flor da pele - Zeca Balero
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