Beijo da morte


Maria Avelina Fuhro Gastal

Do nada me veio a lembrança de que em um 25 de julho, há quase meio século, acontecia meu primeiro beijo.

Não sou de lembrar de datas, não tenho a menor ideia de quando usei o primeiro soutien ou o primeiro batom nos lábios. Primeira vez que dirigi sozinha, não sei. Primeira transa, nem sombra de ano, imagina de dia e mês. Menarca? Algum dia no século passado.

O que há de tão especial em um beijo para que a data permaneça na minha memória?

Já me contaram sobre prostitutas que não incluem a possibilidade de beijo durante o sexo. Isso coloca o beijo em outro patamar. Tirar a roupa, passar a mão, beijar o corpo, penetrar, tudo bem. Beijar na boca, não.

Não vou teorizar sobre o beijo. Ele existe para ser vivido, apreciado. Especial porque é encontro, entrega, promessa.

Outros primeiros que me lembro, são os do voto. Da primeira vez, ainda no sistema bipartidário, votei no MDB. Meu primeiro voto para Governador foi em 1982, eleições gerais. Não elegi ninguém. Em 1989, primeiro voto para Presidente, meu e de todos nós que nascemos um pouco antes ou durante a ditadura militar. Não elegi. De lá para cá, elegi alguns candidatos com o meu voto, não elegi tantas outras vezes.

Afinal, o que tem a ver beijo e voto para estarem na mesma crônica?

Seja para beijar ou para votar, temos que escolher bem para não nos arrependermos. Um beijo ou um voto podem gerar culpa, dissabor, arrependimento. Se a minha boca não é lixeira, meu voto não é lixo.

Quando a maioria diz que uma boca é podre, que o beijo é agressivo, que o hálito fede, não preciso oferecer minha boca ao sacrifício. Quando um candidato é perverso, ameaça às instituições democráticas, vende o país, não vou, de jeito nenhum, validar o absurdo com o meu voto ou minha abstenção.

Nem sempre beijamos quem mais queremos beijar. Mas também não precisamos beijar qualquer um. Vamos beijando por simpatia, afinidade, necessidade ou desespero, mesmo. Melhor um beijo que te traga esperança, do que cerrar os lábios à espera do inalcançável, pelo menos naquele momento. Só não ceda ao beijo da morte.

Se quem está na sua frente não parece que garanta toda a possibilidade de encontro, entrega e promessa que você espera de um beijo, dê um selinho.

Se quem tem chance de derrotar o beijo da morte não corresponde a tudo que você quer para presidente, lembre-se que somente com as divergências unidas o antagonismo macabro será derrotado. Encare como um selinho e garanta a possibilidade de continuar escolhendo até que apareça alguém para você se atirar. De boca.

Não me arrependo do meu primeiro beijo nem de nenhum dos meus votos.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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