A coisa mais querida


Maria Avelina Fuhro Gastal

Depois de algumas reações aos meus últimos textos, percebi que preciso usar lentes bifocais para enxergar o mundo.

Talvez por um alinhamento dos astros, lembrei da recém-lançada música do Chico Buarque, “Que tal um samba?”. Não tenho sambado. Mais do que isso, tenho permitido que o horror a que estamos submetidos me faça esquecer de olhar para o leve, me tornando parecida com aqueles que tanto abomino.

Em tempos de Terra plana, usar os astros para qualquer entendimento pode ser visto como desobediência civil. Sou do signo de Gêmeos. Gosto de pensar que trago em mim duas possibilidades intrínsecas e posso escolher aquela que estará presente nas variadas situações.

Se não há cientificidade na crença da influência dos astros, não coloco ninguém em risco ao me apoiar nela, diferente de quem indica medicamentos comprovadamente ineficazes ou questiona a eficácia de vacinas.

Embora geminiana, não sou sociável. Tímida, escolho os cantos nos ambientes que não me são costumeiros. Também não sou comunicativa. Talvez alguns discordem, mas a esses lembro que temos intimidade, então fica fácil conversar por horas intermináveis. Nesse quesito aparece minha dualidade zodiacal. Quando escrevo, libero tudo. Quando indignada com algo, subo no meu caixote de maçã e discurso. Dá para perceber que para amenizar os textos atualmente, preciso despertar o meu gêmeo acuado.

Há pouco descobri que tenho ascendente em Virgem e que ele rege a segunda metade de nossas vidas. Explicado o meu apego à organização da casa, dos armários. Ainda não chegou à minha bolsa, mas tenho tempo. Se rege a segunda metade, viverei até os 104 anos. Se não organizar a bolsa, talvez nem precise mais dela até lá.

Não abro mão de caixinhas para organizar gavetas nem de etiquetador para identificar potes. Faço um esforço constante para não rotular pessoas e colocá-las em caixinhas desprezíveis. Mas tem um limite. Ele está na atitude delas. Se persistem em comportamentos perversos, praticados, aceitos ou justificados, não me constranjo em dedicar a elas um espaço na lata de “lixo humano”.

No meio de toda a organização da casa, vibro com almofadas deslocadas, copos pelas mesas, louça para lavar. Não troco a convivência, os amigos, a família, os filhos e netos por uma casa com tudo no lugar. Topo encontros, reuniões, almoços, cafés, grupos de estudos, sempre acompanhados por alguma comidinha, lanche ou guloseima. Amo a casa cheia e adoro pensar no que servir. Se comerem bolo aqui, e gostarem, não elogiem, perguntem onde comprei. Os meus embatumam, sempre, até mesmo os de caixinha.

Meu samba é gente, é conversa, é proximidade, é esperança. Meu samba é simplicidade, é aconchego, é ternura, é solidariedade, é respeito. Se no país não toca samba há mais de quatro anos, eu posso cantarolar samba na minha rotina. É uma forma de manter vida em meio a tanta opção pela morte.

Vou reforçar meu gêmeo entristecido e convidar vocês para sambarem comigo. Pode não parecer pelo meu tom nos últimos textos, mas sou a coisa mais querida. Quase sempre.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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