Bolha rompida


Maria Avelina Fuhro Gastal

A última semana poderia ter sido a melhor dos dois últimos anos.

Dia 14, fui inundada por palavras de carinho e votos de uma vida plena e feliz. Dia 16, pude reunir na minha casa filhos, netos, sobrinhos, cunhada e nora, depois de uma ausência forçada e prolongada, para comemorar meu aniversário com a presença daqueles que dão todo o sentido a minha vida.

Quisera poder manter essa bolha de afetos e carinho e ignorar o mundo além da minha vida. Impossível. Não bastasse tudo que presenciamos ao longo da pandemia, toda a perversidade daquele que nos governa, toda a miséria que habita nossas ruas, fomos nocauteados pela localização dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados com crueldade.

Muitos dizem que eles não deveriam estar lá, sabiam dos riscos. Todos nós deveríamos estar lá. Nossa ausência permite o extermínio dos povos indígenas. Mais do que coragem, eles se guiavam por um espírito de humanidade. Acusamos a vítima, justificamos o ato criminoso.

O Estado está lá, cúmplice do crime. Deveria estar para defender os povos originários, para preservar a biodiversidade, para impedir a ação de grileiros, de garimpeiros, de desmatadores da floresta. Mas, não. Segue passando a boiada e incentivando a violência.

No dia 18/06, na capital do Estado em que Bruno e Dom foram executados, a mesma que asfixou e permitiu que muitos morressem sem ar em 2021, nova motociata. Nenhuma palavra sobre o crime, nenhum respeito pela dor daqueles que sobreviveram à perda de entes queridos de forma agonizante.

Não consigo ser condescendente com quem apoia essas ações, nem com quem lava as mãos e acredita que a não-escolha resolve o problema. A sua justificativa só aplaca a sua consciência. Neutralidade é opção por um lado, é aceitar a possibilidade de permanência do horror.

Releio as mensagens, os whatssapps, os cartões recebidos para me lembrar do que há de belo nas relações humanas. Elas impedem que eu enlouqueça com tanta perversidade e, infelizmente, com tanta decepção. Quando vemos tão perto de nós concordância ou silenciamento frente a tanta barbaridade, passamos a questionar nossa capacidade em realmente conhecer quem, até então, acreditávamos ser possível amar.

Não há bolha que preserve a nossa paz enquanto a vitória for do ódio.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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