Vácuo


Maria Avelina Fuhro Gastal

A vida que conhecíamos já não existe. A agenda cheia está esvaziada, o tempo que faltava, sobra. Os planos mudaram. A curto prazo, queremos continuar vivos. A médio prazo, só sabemos que não será fácil, mas não conseguimos dimensionar o tamanho do desafio. A longo prazo está em um futuro tão distante, que a agonia e a insegurança do agora só jogam para mais adiante. Vivemos um vácuo.

Circulamos pelas nossas casas como há muito não fazíamos. Enxergamos as sujeiras, a poeira, o acúmulo. Estranhamos o nosso lar. Não estamos acostumados a ele. Estranhamos a nós mesmos. Não estamos acostumados a estar conosco por tanto tempo, sem distrações.

Os armários têm coisas demais. São louças, panelas, talheres, roupas, sapatos, acessórios que de nada nos servirão para aplacar o medo, a angústia, o isolamento. O quanto gastamos no que não precisamos. O quanto ganhamos e esbanjamos.

De repente, sim, de repente, apesar de sabermos que aconteceria, estamos afastados. Não podemos tocar, abraçar, beijar, nem estar com quem amamos. E aí, tudo o mais perde a importância. O carro do ano, a viagem dos sonhos, o último lançamento da moda, a bolsa de grife são nada. Sentimos falta da liberdade de estar na rua, de caminhar entre as pessoas, de observar flores, árvores, vida acontecendo, de estar com quem queremos, de não temer pela vida de todos nossos afetos, e desafetos também.

Sem o Skype, as mensagens de voz, ou até mesmo sem o obsoleto telefone fixo, eu não ouviria a minha voz, nem ouviria a voz de ninguém. Viveria em uma casa de silêncio rompido só pelo som angustiante da televisão. Por isso, às vezes canto. Mesmo triste, canto. E danço. Rodopio feito louca para me sentir viva.

Cada um de nós está tentando achar estratégias para se manter saudável. Nunca precisamos tanto estar perto da família, dos amigos. Mesmo afastados, nos apoiamos e conectamos. Os bom dias no telefone ganharam um outro significado. De alguma forma, estamos dizendo que estamos aqui e nos importamos uns com os outros.

Estou tendo que aprender a depender, a precisar que alguém vá ao super para mim, a deixar a autossuficiência de lado, a me enxergar limitada e me admitir como idosa.

Não está fácil para nós. Como estará para quem não tem casa, emprego, renda, rede de apoio, água, sabão? Se corremos riscos, eles vivem o risco. Nunca a desigualdade foi tão escancarada. Será que nem assim vamos repensar nosso modo de viver?

Para nós, isso um dia passará. Para eles nunca há futuro.

Não quero a vida que conhecia de volta. Quero uma vida mais simples, com menos medo de demonstrar afeto, com mais abraços e beijos, mais encontros, mais proximidade e muito mais justiça e igualdade social.

Tudo que estamos vivendo tem que servir para nos transformar em seres humanos melhores e para que busquemos uma sociedade mais justa.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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