Vida longa à Rainha


Maria Avelina Fuhro Gastal

Até poucas semanas atrás jamais escreveria algo inspirado pela Rainha Elizabeth II. Sempre a achei formal demais, conservadora ao extremo, incapaz de demonstrar emoção. Tudo bem se é por exigência do cargo, mas se está nele também poderia contribuir com mudanças. Tanta pompa e protocolo sempre me pareceram descabidos em um mundo tão desigual. Continuo pensando assim, mas a Rainha conquistou a minha simpatia.

Aos 95 anos, ela declinou o título de idosa do ano por não se considerar tão velha para merecê-lo. Lacrou. Ser idosa não está no número de anos vividos. Está na desistência de nossos sonhos, vontades e desejos.

Se a Rainha tem a seu favor uma vida de facilidades materiais, nós temos o absoluto desinteresse mundial sobre o que fazemos de nossos dias, de nossos relacionamentos, de nossas transgressões.

Meu ranço com ela impediu que eu percebesse sinais de sua vitalidade. Roupas em cores vibrantes, nunca “tailler” discreto em cinza, preto ou marinho. E eu, há alguns dias, encasquetando se minhas calças jeans, “leggings”, camisetas, bermudas, regatas e tênis não estariam em desacordo com a idade que tenho. Dane-se a cronologia.

Rugas, cabelo branco, efeitos da gravidade no corpo são inevitáveis. O que nos falta de colágeno, pode sobrar em disposição.

O tempo passou, mas não findou. Há muito para se experimentar, descobrir, apreciar. Perdemos muitos afetos para a morte ou para a vida. Tivemos decepções, abandonos, equívocos, arrependimentos. O que vivemos nos acompanha, mas deve ter o tamanho de uma lembrança, sem ocupar o espaço de possibilidades de presente. O passado já foi, o futuro não existe. A vida é no agora.

Vivemos o tempo de equilibrar vontades e possibilidades. Se jogar vôlei em uma quadra de areia pode complicar aquela dorzinha no joelho e impedir a caminhada, podemos escolher o que queremos. Não há escolha certa, o erro é não se permitir escolhas.

Se uma noite em claro nos cobra um preço alto, troquemos por finais de tarde, jantares. Podemos estabelecer nosso horário limite para virar abóbora, sem deixar de aproveitar o baile. E, se estiver bom, lixe-se o estabelecido e continuemos a dançar sem o sapatinho de cristal apertando nossos pés.

Afinal, com que idade se é idosa? E não me venham com o eufemismo de “melhor idade”. Qualquer idade é boa se soubermos estar vivos. Que a morte não nos encontre mortos antes da chegada dela. Não dá para facilitar o trabalho de quem sempre ganha.

Vida longa à Rainha, e a nós, usufruída a cada inspiração e expiração.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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