O pouco que me é tudo


Maria Avelina Fuhro Gastal

Há exatos sete meses, no dia 18 de março, meu voo aterrissou no aeroporto Salgado Filho. Era tarde da noite, lojas fechadas, saguão quase vazio, algumas raras pessoas usando máscara. Entrei no taxi e fui para casa. No hall do edifício, um enorme tubo de álcool em gel; no elevador, cartaz com orientações sobre a COVID-19. Começava ali minha quarentena.

Oito dias fora do país e voltei para um lugar que desconhecia. A mala ficou na entrada do apartamento. Fui direto para o banho. Pela primeira vez nesta pandemia me sentia contaminada. O sono custou a chegar, me via em uma distopia e elas não costumam acabar bem.

Acordei para o mais longo dia de solidão da minha vida, sem previsão de fim. Atenta a qualquer sinal de contaminação, passei quinze dias medindo a temperatura e acompanhando notícias pela televisão. Nessa fase fui tomada pela fúria da limpeza. Minha casa agradeceu, minhas mãos escamaram e as unhas quebraram.

Superada a quarentena pela viagem, saí para tomar a vacina contra a gripe. Não tinha máscara, improvisei com dois panos perfex e fita mimosa. Arrasei. Hoje, tenho várias. A algumas me adaptei, outras me sufocam. Vacinada, voltei logo para casa, tirei toda a roupa, tomei banho e torci para não ter contraído o vírus. Era início de abril, mas poderia ser maio, junho, julho, agosto, setembro. Mudaram os meses, as estações. Acompanhei tudo pelas janelas de casa.

Tive que aprender a conviver comigo. Não sou fácil. De hiperativa à desmotivada, de esperançosa à descrente, de tranquila à ansiosa, de contida à explosão em lágrimas em um filme bobo qualquer alternei humores. Por vezes, quis me abandonar e sumir. Faltou coragem para abrir a porta. Sempre escolho a vida e ela estava na minha casa.

Afastada de todos, tive muitas conversas com as pessoas que convivi em algum momento da minha vida. Travei diálogos internos com todos aqueles que um dia já estiveram na minha sala. De alguns me despedi, com outros fiz as pazes, com a maioria me comprometi com o reencontro sem tempo marcado.

As telas trouxeram alguns para perto; as redes sociais me aproximaram de outros. Hoje, sinto falta de todos. A pandemia traz um caráter de urgência em encontros que talvez jamais tivessem existido sem ela.

Do que não tenho, desejei muito um pátio, uma porta que me levasse a alguma rua e janelas sem proteção. O que tenho, percebi ser mais do que suficiente. A única falta real é a das pessoas comigo.

Há quinze dias comecei a flexibilizar, um café com a minha filha em um espaço aberto na Zona Sul, um cafezinho para o meu filho e nora na sala da minha casa, uma tarde inteira brincando com a minha neta. Até bolo fizemos, claro que meio embatumado ou não seria um bolo feito por mim. É esse o normal que quero de volta, o que traz as pessoas para mim e me leva ao encontro delas.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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