Dos pequenos grandes encantamentos. Episódio 3:paladar


Maria Avelina Fuhro Gastal

Aproxima-se dezembro e a uva passa já vira alvo de acalorados debates. Os extremistas amam ou odeiam. Os conciliatórios admitem sua presença no cardápio, desde que não misturada a alimentos salgados. Os indiferentes não entendem tanta discussão, que cada um coma o que quiser.

Nosso paladar pode causar estranheza para quem não compartilha do mesmo gosto. Percebo olhares acusatórios quando digo não gostar de molho vermelho, de chimarrão e de sagu. Minha fixação por alface desperta olhares desconfiados: mente ou é louca? Minha preferência pelos cítricos, bem azedos, aciona olhares de pavor.

A textura do alimento também faz parte do nosso repertório gustativo. Não me ofereçam berinjela. Por educação, e falta de opção, posso até colocar na boca, mas ela vai rolar de um lado para outro sem que eu consiga mastigá-la, muito menos engolir.

A Biologia nos diz que está na língua os terminais que determinam a percepção do gosto dos alimentos. A vida nos mostra que nosso paladar se vincula ao afeto.

Ao nascer, conhecemos o mundo pela boca. É por ela que nos alimentamos, nos acalmamos, reconhecemos as texturas, a temperatura, o outro além de nós, mesmo que pensemos incorporá-lo.

Crescemos, mas muitas memórias afetivas são despertadas pelo paladar. Minha avó fazia o melhor feijão do mundo, meu pai, o melhor camarão, minha mãe, o melhor siri. Creme de laranja tem gosto de infância, de brincadeiras com o meu irmão.

Já cozinhei pelo prazer de alimentar quem amo.

Meus filhos e amigos pedem que eu leve salada em qualquer refeição festiva. São folhas e vegetais, às vezes, com frutas e grãos adicionados, tudo que qualquer um pode juntar e montar uma salada, mas eles dizem não ficar igual. Talvez a diferença esteja nas memórias, no carinho de mãe.

Doce de bombons, mousse de chocolate também entram nos pedidos especiais de filhos e sobrinhos. Os feitos por mim são diferentes, para eles. Devem ser realmente gostosos, pois nenhum deles me pede para levar bolo, embora há quarenta anos eu tente fazer um minimamente comível, eles preferem não arriscar. Trauma.

Mesmo quando não dá certo, o alimento faz parte de nossas lembranças, compõem fragmentos de nossa história, perpetuam-se como pertencimento.

Doce, amargo, salgado, cítrico, azedo cada um de nós tem sua preferência. No entanto, os sabores se modificam quando associados a momentos de alegria, de prazer, de encontro.

Celebramos, conquistamos, agradecemos em volta de mesas. Cuidamos e demostramos amor cozinhando, preparando um prato especial ou, até mesmo, encomendando algo pensando no outro. Servimos o alimento acrescido de especiarias de afeto. É esse o tempero que torna um prato inesquecível.

A visão de um alimento pode dar água na boca, o aroma, despertar a fome. Se muito cítrico, pode provocar arrepios. Se doce demais, contrai os músculos. Reações similares a desejo e prazer sexual. Maçã, morangos, vinho alimentam o imaginário dessa linha tênue.

Olhe, cheire, lamba, sugue, mordisque, se lambuze, aprecie com calma, desfrute.

Faça do paladar um combo de prazer.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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