Cercas


Maria Avelina Fuhro Gastal

Meus pés tocaram parquet e azulejos, hoje tocam pisos laminado e cerâmico. Jamais encontram a terra e a grama. Protegem-se em solas de borracha que separam a rua de mim.

No bloco vertical de concreto, o sol que me cabe esgueira-se pelas frestas de janelas, quando encontra brechas entre tantos outros blocos que me rodeiam.

Entre a rua e mim, grades, segurança eletrônica, dois portões como jaulas, uma porta de vidro, alguns lances de escada ou segundos de elevador. Se abro a porta da minha casa, não há céu, apenas teto; não há sol ou estrelas, apenas lâmpadas; não há nem brisa nem mormaço nem chuva nem frio, apenas um corredor.

As árvores que enxergo não estão na minha casa, nela não há pátio. Disfarço a aridez com vasos recheados de flores ou verdes, limitados ao diâmetro da boca que os engole. As raízes se comprimem. Dou a elas a experiência que tenho entre paredes.

Não colho frutas do pé, não relaxo em uma rede entre dois troncos, não coloco minha cadeira à sombra de uma copa frondosa para ler um livro ou receber amigos.
Em vasos de temperos plantados, brinco de jardineira do concreto na esperança de não ter deixado a natureza do lado de fora da minha casa.

Na minha rua não há vozes de crianças empunhando tacos, brincando de pegar, de esconde-esconde, de amarelinha, correndo atrás de bolas, fazendo de chinelos limites de goleiras. Sem pipas, sem carrinho de lomba, sem bolinha de gude. Não há infância nas ruas tomadas por carros.

Cercada de famílias, não sei o nome de ninguém. Nem mesmo tenho certeza de quem mora em cada um dos espaços que preenchem este bloco vertical que encaixota minha casa.

O mundo entra pelas telas de eletrônicos que nos mostram a vida animal, a natureza exuberante, as constelações, os movimentos das marés, os fenômenos naturais, as variações das estações, as mudanças climáticas. Tudo a uma temperatura média de 23ºC, entre aromas de difusores e incensos, em um sistema de purificação do som e do ar, em um ambiente de sofás retráteis ou de camas box com colchões de molas pocket ensacadas, ortopillow com camada dupla em espuma da Nasa, tamanho king para que não haja proximidade, garantindo o espaço individual na convivência familiar.

Estamos apartados da vida.

Construímos cercas sociais.

Tornamo-nos prisioneiros da nossa ambição e indiferença.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 254210

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose