Triângulo das Bermudas


Maria Avelina Fuhro Gastal

Na realidade, nem é triângulo, a forma é retangular. Nas dimensões também diferem, enquanto o Triângulo das Bermudas tem mais de um milhão de metros quadrados, meu retângulo tem o tamanho de um colchonete de ginástica. Outra diferença é a delimitação deles, o Triângulo tem seus vértices na Flórida, Porto Rico e na Ilha das Bermudas, o retângulo é delimitado por um armário para louças, pela porta de acesso à cozinha e por duas linhas imaginárias entre a sala de jantar e a sala de estar. Em comum, são espaços com acontecimentos inexplicáveis.

No Triângulo das Bermudas somem embarcações, aviões, as bússolas enlouquecem. No meu retângulo nada some, prolifera. Pó, muito pó. Eu enlouqueço. Meus instrumentos para enfrentar a situação são vassoura, balde e panos, vários. Em termos de mistério, ambos espaços se equivalem.

De onde vem tanto pó e por que se acumula em um lugar específico da casa? Seriam as coordenadas do espaço? Quem sabe algum ponto universal de atração situado exatamente naquele retângulo? Alguma ligação como os labirintos de Borges? Seria a entrada ou a saída deles? Poeira tem geração espontânea? Será cósmica?

Enquanto não encontro respostas, muito menos soluções, vou enfrentando a poeira para que ela não contamine minha casa nem o mundo que me cerca. É pouco, mas contribui com o todo.

Nos encontros virtuais fica claro que a preocupação com a poeira tem muitos adeptos. Conselhos, teorias, descrenças não faltam. De comum, a incredulidade. Como pode proliferar tanto? Talvez por ser sorrateiro ou quem sabe por ter estado muito tempo embaixo de tapetes. Com o coronavírus, muitos tapetes tiveram que ser enrolados e a poeira ficou visível.

Alguns convivem bem com a poeira, passam um paninho aqui, outro ali, movem o pó de lugar, mas não se importam com a permanência. Outros nem a esse trabalho se dão. Convivem com a poeira achando que não é problema deles, a diarista que limpe.

O mais assustador é que a poeira, e o coronavírus, estão em todos os lugares. São levados na sola dos nossos sapatos, nas dobras de nossas roupas. Se fizermos de conta que não temos nada a ver com isso, os espalhamos ainda mais.

Triângulo das Bermudas ou retângulo da minha sala, poeira ou vírus, tão diferentes quanto similares. Para os dois primeiros não há uma teoria que explique. A poeira enxergamos, quando queremos, o vírus, nem que queiramos, mas os dois podem nos usar para atingir outras distâncias.
Não posso culpar a pandemia, meu pensamento sempre foi inquieto, mas claro que o isolamento acentua essa característica. Então, tracei um paralelo entre o que digo acima e o que vivemos entre nós. Posso estar alucinando e trocando o diálogo com os meus botões pelas palavras colocadas em textos, mas se isso me garantir sanidade e não prejudicar quem lê, não vejo problemas.

Ficamos buscando teorias da conspiração para explicar o inexplicável. Aceitamos verdades sem bases científicas pelo medo ao que enfrentamos. Brigamos entre nós enquanto somos usados como veículos de disseminação de ódio. Não há escolha possível entre a poeira e o vírus, ambos podem ser suportáveis, mas também mortais. Não vemos tudo, nos é mostrado apenas aquilo que interessa. Podemos aceitar ou buscar o invisível. Acima de tudo, precisamos estar dispostos a enxergar o invisível, mesmo sem sermos atingidos por ele. Deveria bastar para nós uma dor, uma injustiça, uma morte evitável ou violenta, um assassinato de criança para nos unirmos contra. Tenhamos clareza que protestar contra absurdos não faz de ninguém comunista.

Talvez não haja explicação para o Triângulo das Bermudas nem para o retângulo da minha casa. São distrações para não sucumbir à realidade, que mais do que explicações ou justificativas, exige atitudes.

Direita ou esquerda, não percamos o respeito pela vida e pelo outro.

Sejamos humanos, apenas.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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